Os posts estão em ordem cronológica inversa

(todo mundo sabe que só em blogs "os últimos serão os primeiros")

Novo capítulo

 

A página de blogs estava ficando pesada e demorando para carregar. Por isso, abri um novo capítulo no Diário de Bordo. Para acessá-lo, clique na barra de navegação à esquerda da página (Diário de Bordo > Ano 1: Turks and Caicos) ou diretamente neste link

Demos uma entrevista para a rádio CBN

 

Acabamos de conversar com a Fabíola Cidral e a Pétria Chaves sobre a viagem do Bedouin. A entrevista vai ao ar no sábado, 30/06, as nove da manhã, no programa Caminhos Alternativos, da rádio CBN.

 

Para os poucos entre nós que conseguem acordar cedo no sábado...

 

(Provo, 27/06/12)

Novas fotos

 

Vejam as fotos do acidente em Turks and Caicos aqui

A Batalha das Bandas

 

Sábado à noite, fomos à Turtle Cove para um evento anual que se chama Battle of the Bands, onde o público elege a melhor banda de Turks and Caicos. Fomos com o carro do Paul, o segurança, mais uma vez. Infelizmente, dessa vez o turno dele terminaria meia-noite. Voltamos cedo e ficamos sem saber, afinal, qual é a melhor banda de TCI. Mas valeu assim mesmo!

 

(Provo, 25/06/12)

Papai, me empresta o carro!

 

No fim da tarde de sexta, conversávamos, eu e o Renato, com Paul, o segurança  do estaleiro que faz o turno da noite. Perguntamos se ele sabia de alguém que estivesse para terminar seu turno e pudesse nos dar uma carona para a cidade. Ele respondeu: "Não vou precisar do meu carro a noite. Se vocês quiserem, podem colocar gasolina nele e eu empresto a vocês".

 

E assim, fomos para Grace Bay, eu dirigindo o carro do segurança. Volante no lado direito. Dirigindo pela esquerda, do jeito britânico, como se faz aqui. Pode?

 

(Provo, 25/06/12)

Estragos no leme

Tanto por tão pouco!

 

Incrível que tanto sufoco tenha sido causado por danos, aparentemente, pequenos. Vejam a foto!

 

(Provo, 24/06/12)

No estaleiro

 

Estamos assim, no seco, desde o dia 20. O motor está dando trabalho. Entrou água salgada em todo lugar. Só na sexta-feira, no fim do dia, ele voltou a ligar, mas isso não significa que o trabalho no motor acabou.

 

Enquanto isso, nós fazemos faxina (tudo está molhado e sujo) e reparos diversos (várias coisas deixaram de funcionar - ontem, por exemplo, tive de trocar a bomba que leva água doce para as torneiras do Bedouin).

 

Mas ainda deu para sair nas noites de sexta e sábado, como vocês verão adiante.

 

(Provo, 24/06/12)

Bedouin quase vai a pique - parte 9- que Deus proteja os trabalhadores do mar

 

A Polícia já nos rebocava talvez por uma hora quando um barco a motor pequeno, mas veloz, com dois homens a bordo, aproximou-se de nós. Deu umas voltas em torno do Bedouin, olhou bem a popa e aproximou-se do Sea Defender. Vi que eles gritavam qualquer coisa com os policiais. Não deveriam ter rádio no barco.

 

A Polícia me chamou no rádio. Nos disseram que os dois homens no barquinho viam que fazíamos muita água e perguntavam se não queríamos uma bomba de salvamento. E acrescentou: "Lembrem que ainda faltam duas horas para chegarmos a Provo". Perguntei: "É uma bomba para bombear a água para fora?". "Isso, uma bomba a gasolina, de grande capacidade de sucção", responderam. Não pensei duas vezes antes de dizer que sim, queríamos a bomba de salvamento.

 

O barquinho se aproximou, encostou do nosso lado e um sujeito um tanto gordo, mas ágil, que mais tarde saberíamos que é canadense e se chama Richard, passou para nós uma bomba pesada, acoplada em um motor a gasolina, e, na seqüência, pulou a bordo. Enfiamos a mangueira da bomba dentro da água que invadia a cabine, e após agoniantes cinco minutos de tentativas frustradas, a água jorrava para fora do Bedouin. Richard tem uma oficina mecânica de barcos e fora chamado pelo Bob, o dono da South Side Marina, cuja gentileza já foi tema de um outro post, aqui. Vida longa e próspera a ele!

 

Logo a água baixava rapidamente. Em dez minutos, a cabine estava seca e a bomba de salvamento sugava água no mesmo ritmo em que ela entrava pelo buraco no leme. A situação melhorou tanto que pudemos ir todos para o convés e conversar enquanto o Sea Defender nos rebocava para Caicos Marina and Shipyard, o estaleiro onde passaríamos nossos próximos dias.

 

(Provo, 24/06/12)

Bedouin quase vai a pique - parte 8- e lá se vai o motor...

 

O Sea Defender é um barco a motor, grande e possante. Arremessaram um cabo para nós, amarramos o cabo na proa do Bedouin e eles começaram a nos rebocar com relativa facilidade. Enquanto amarrava o cabo eu pensava: "Talvez o movimento para a frente baixe a linha d'água do barco e entre menos água pelo buraco do leme". Era difícil ser muito otimista, na situação, e eu não pude deixar de pensar: "Mas também pode ser o contrário". Inflelizmente, foi o contrário. A proa levantou, a popa baixou e a água passou a entrar com mais velocidade.

 

Voltamos ao balde. Suando em bicas, nos revezávamos, um na cabine e um no cockpit. A cada vinte minutos, mais ou menos, parávamos por um ou dois. A água não passava do segundo degrau do corredor, mas também não conseguíamos fazê-la baixar. Tinha mantido o motor ligado até pouco antes da Polícia chegar. Teria sido prudente desligá-lo, para proteger o motor da água que subia dentro do seu compartimento, mas se as baterias descarregassem, estaríamos em péssima situação. As duas bombas de porão e mais as três improvisadas na cabine eram elétricas e dependiam das baterias. Talvez uns cinco minutos antes da Polícia chegar, o motor desligou sozinho e não pegou mais. Péssimo sinal. Já vi muitas vezes motores afogados, mas essa foi a primeira experiência literal.

 

O Bedouin tem um gerador portátil, a gasolina. Levamos ele para o convés e eu estava preparado para dar a partida quando pensei melhor. O gerador não apenas carrega as baterias. Ele alimenta todo o circuito de cento e dez volts, de corrente alternada, do barco. O Bedouin tem várias tomadas comuns, destas de casa, onde é possível ligar qualquer aparelho desde que o barco esteja numa marina, conectado à rede elétrica, ou o gerador esteja ligado. Fora dessas situações, só dá para ligar dispositivos feitos para funcionar com bateria de carro ou usar duas únicas tomadas que são ligadas a um inversor que transforma os doze volts, corrente contínua, da bateria em cento e dez volts, corrente alternada. O problema é que, se eu desse partida no gerador, toda o circuito de cento e dez volts do barco estaria energizado. Nós estávamos enfiados na água até as canelas, puxando fios para lá e para cá. Eu já tinha tomado um monte de choques, até ali. Só que choque de bateria de carro é uma coisa. Choque de cento e dez volts, encharcado como eu estava, pode matar.

 

Deixei o gerador desligado no convés.

 

(Provo, 24/06/12)

Pausa para o descanso do cronista/velejador...

 

Estou escrevendo de uma pizzaria em Provo, onde chegamos, eu e Renato, num carro emprestado pelo segurança do estaleiro. Pode??? Esta também é uma boa estória, mas vai ficar para amanhã.

 

Amanhã vocês saberão, também, o que aconteceu depois que o barco da Polícia Maritma chegou até nós. O nosso perrengue ainda não acabou, acreditem...

 

Até amanhã, meus leitores. Que todos tenham uma excelente noite de sexta-feira.

 

(Provo, 22/06/12)

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Comments

  • Claudia Cappelli (Sunday, June 24 12 08:30 pm EDT)

    Nossa!! Essa foi eletrizante...Fui lendo cada post querendo ler o próximo para saber o que aconteceu... Deixo este comentário aqui mas quero mesmo ler os outros para saber como tudo acabou... To indo
    ler...Bjs.

  • Patrícia Amato (Friday, June 29 12 10:00 am EDT)

    Caraca Alexandre! Que susto!!!!

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Bedouin quase vai a pique - parte 7 - chega a Cavalaria

 

E, de repente, o rádio deu sinal de vida. "Sailing vessel in distress. Sailing vessel in distress. This is the TCI Police. Over.". Respondi. Eles me pediram para descrever a situação. Menti: "Bati o leme num cabeço de coral e não é possível dirigir o barco. Estamos fazendo água, mas controlamos a situação com bombas de porão extra. Tudo o que eu preciso agora é ser rebocado para Provo". Controlamos a situação??? A gente não parava de jogar água para fora com balde! Nossos intervalos de descanso não duravam cinco minutos! Mas tudo o que eu não queria é que alguém viesse resgatar os passageiros e abandonar o barco. Me responderam: "OK. O Sea Defender está indo até vocês. Deve estar aí em vinte e cinco minutos".

 

Por incrível que pareça, foi mais ou menos isso que eles demoraram, mesmo.

 

(Provo, 22/06/12)

Bedouin quase vai a pique - parte 6 - nem tudo dá para resolver sozinho...

 

Em algum momento, não lembro se antes ou depois de começarmos a jogar água para fora de balde (provavelmente antes), eu disse ao Renato: "Cara, eu vou pedir ajuda". Subi ao cockpit e peguei o rádio. Eu tenho rádio dentro da cabine também, mas como eu sempre o uso quando estou no leme, simplesmente não me ocorreu ligar lá de baixo. Eu não lembro bem de muitas coisas, mas sei que hesitei antes de apertar o botão e falar aquilo que eu esperava nunca na vida ter de dizer: "Mayday, mayday, mayday". Silêncio no rádio. Ninguém me respondeu. Eu estava a pouco mais de trinta milhas náuticas de Provo e, no máximo, umas vinte de South Caicos. Alguém acabaria respondendo. Mas depois de insistir duas vezes sem sucesso, peguei o telefone por satélite. Enquanto estava nas Bahamas, programei os telefones da busca e salvamento (Basra) das diversas ilhas, mas esqueci de fazer o mesmo em Turks. Tinha o telefone do Bob, da South Side Marina, mas, por alguma razão que eu não conhecia, não conseguia completar a ligação. Liguei para a Kátia. Caixa postal. Liguei para a Marina. Falei: "Pegue lápis e papel". "Anote aí: norte, vinte e um graus, setenta e dois ponto três, sete cinco, oeste, ... A cada pausa, Marina me perguntava, impaciente: "O que eu faço com isso???". Desesperador... Pedi a ela para ligar para o Bob, dizer que eu precisava de ajuda e passar as coordenadas. Na seqüência, consegui falar com a Kátia e explicar a situação. Falei e desci para tirar a água com balde, junto com o Renato.

 

Nós nos revezávamos. Um ficava na cabine. Tirava a água do chão. Levantava o balde até o topo da escadinha de acesso. O outro, no cockpit, pegava o balde e jogava a água para fora do barco. Umas boas duas horas fazendo isso. No calor. Sob extrema tensão. Tudo o que eu pensava era: "Não quero perder meu barco!". Mas, é claro, todo o tempo essa era uma possibilidade muito presente.

 

Uma meia hora depois, voltei a ligar para a Kátia, que me disse que elas tinham conseguido contato com a polícia de Turks, que disse ter enviado socorro.

 

Mas nada deles entrarem em contato...

 

(Provo, 22/06/12)

Bedouin quase vai a pique - parte 5 - afinal?? de onde vem tanta água??

 

De onde estava vindo tanta água?? Suspeitava do leme, é claro, depois de tantos problemas.

 

Todas as engrenagens do leme e da direção hidráulica do Bedouin ficam embaixo da minha cama. Levantei o colchão e a tampa do compartimento do leme e o problema estava lá. O suporte do leme (que fica do lado de fora, embaixo d'água), tinha quebrado e o leme estava completamente solto, fazendo com que todas as engrenagens se mexessem loucamente. O movimento tinha arrebentado o ponto onde o eixo do leme atravessa o casco e aberto um buraco pequeno, mas suficiente para entrar muita água. O pior é que, do jeito que as pesadas engrenagens se mexiam, ameaçavam aumentar o buraco e piorar a situação. Peguei um cano de ferro que fica guardado neste mesmo lugar e que funciona como leme de emergência se o sistema hidráulico falhar e o enfiei entre as engrenagens, para diminuir o movimento. Enfiei uns panos no buraco. Neste esforço, prendi a mão várias vezes entre as engrenagens do leme. A propósito, estou cheio de cortes nas mãos e um, bem chatinho, no calcanhar.

 

Todo o esforço não foi inútil, mas a água continuava subindo devagar...

 

(Provo, 22/06/12)

Bedouin quase vai a pique - parte 4 - enxugando gelo

 

Começou então um trabalho frenético para colocar água para fora do barco. Eu lembrava que tinha três bombas de porão reserva, ainda na embalagem. Duas eu tinha comprado em Miami. Quando fui guardá-las descobri que havia mais uma no barco, comprada pelo antigo dono. Uma bomba de porão é um artefato de plástico que parece uma dessas duchas elétricas baratas. Para funcionar, é preciso ligá-las nas baterias do barco e conectar uma mangueira que leve a água para fora do barco. A minha intenção, quando comprei as bombas, era usá-las em substituição às bombas "oficiais", caso estas queimassem, não como bombas adicionais. Toca a achar pedaços de mangueira e de fio que pudesse usar.

 

Com um pedaço de mangueira de pouco mais de um metro e meio e o fio arrancado às pressas do ventilador, montei uma bomba que jogava água para dentro da pia da cozinha, ligada na bateria de partida do motor (que fica embaixo da pia da cozinha). Com fios que tinha comprado em Miami, para uma emergência mesmo, liguei a segunda bomba à entrada de energia do som, e com um pedaço maior de mangueira conseguia jogar a água através da vigia do banheiro. A tela de mosquito que havia na vigia foi rasgada às pressas. Ainda tinha uma terceira bomba e pedaços de fio, mas não tinha mais nenhuma mangueira. Arranquei a mangueira de saída de água da pia do banheiro (a que vai do ralo da pia até um "buraco" no casco, para jogar a água fora). Liguei a mangueira na bomba, que agora bombeava água para fora através da saída da pia.

 

Tudo isso, e a água continuava a subir dentro do barco. Já chegava ao segundo degrau do corredor, muito perto do nível do piso da sala.

 

(Provo, 22/06/12)

Bedouin quase vai a pique - parte 3 - as coisas realmente começam a piorar

 

Levantamos âncora cedo e partimos para Provo. Logo o leme começou a responder mal. Demorava a fazer as curvas. Desviar dos recifes era um suplício. Fazia curvas quando eu não tinha mexido na roda de leme. Estava com uma folga grande. Como o vento estava a favor, subi as velas. Normalmente, uma vez que se ajuste as velas, o Bedouin é estável, mal precisando de timoneiro. Desta vez não funcionou. Ele continuava saindo do curso a toda hora, e cada vez era mais difícil trazê-lo de volta. Pensei: "Talvez eu não consiga levar esse barco assim até Provo, mas, nós estamos no Caicos Bank - embora não exista terra nenhuma à vista, a profundidade máxima é seis metros. Na pior das hipóteses, jogo a âncora e peço pelo rádio para alguém me rebocar até lá.

 

Enquanto isso eu ia tentando diferentes táticas para tentar melhorar a estabilidade. Tentei motorar só com o jib, a vela de proa, em cima. Não adiantou. No final, baixei todas as velas e segui só no motor.

 

Foi quando as coisas começaram realmente a piorar. Pedi ao Renato para assumir o leme e desci para ir ao banheiro. O que eu vi fez gelar meu coração. A água havia enchido os porões do Bedouin e havia mais de um palmo acima do chão, no corredor que leva o salão à minha cabine.

 

(Provo, 22/06/12)



Bedouin quase vai a pique - parte 2 - o que fazer agora?

 

Voltei para o barco. Mergulhando na popa, dava para ver o estrago. A ponta do leme tinha batido no coral. Quebrou um pedaço pequeno, pouco maior que um punho. Além disso, o choque tinha deixado o suporte do leme, a "dobradiça" que o prende à popa do barco, um pouco frouxo. Não era nada apavorante, mas o barco precisaria ser tirado da água para reparo.

 

Procurei pela marina mais perto. Ficava em South Caicos, umas sete milhas náuticas de onde estávamos. Peguei o rádio e entrei em contato com a marina. Expliquei o que tinha acontecido. Eles me disseram que não tinham condições de tirar o meu barco da água. Eu precisaria voltar a Provo. Mais de trinta milhas. Coisa para fazer amanhã, com luz. Agora é hora de jantar e dormir.



(Provo, 22/06/12)

Bedouin quase vai a pique - parte 1 - o choque

 

Estávamos chegando perto de Ambergris Cay. Eu já tinha visto na carta náutica e que a chegada à ancoragem era perigosa, cheia de corais. Pensei: está na hora de desligar o piloto automático, acordar o Renato e pedir a ele para ir até a proa. Nisso, ele acordou sozinho. Ainda disse: "Falta pouco pra gente chegar. Eu ia mesmo te acordar agora". No que eu voltei a olhar para a frente, vi uma mancha marrom na água, a uns trinta metros de distância. Meu coração gelou. Foi o tempo de soltar três palavrões, enquanto reduzia a velocidade, desligava o piloto automático e virava todo o leme para bombordo. Renato não entendia nada. Eu apontei: "Olha isso!". O casco passava a um metro de um cabeço de coral que quase aflorava. A parte mais alta não devia estar a dois palmos de profundidade. Vi o coral passar e pensei: "Escapei!". Foi quando ouvi um "crek" e senti o tremor no leme. Alguma coisa tinha batido no coral. O barulho foi baixo. O tremor foi pequeno. O choque não podia ter sido grande. Não dei tanta importância assim, na hora. Estava mais preocupado com os outros recifes que poderiam estar em torno. Me lembro que falei: "Quando a gente ancorar, não me deixa esquecer de mergulhar e tentar descobrir onde nós batemos e se fez algum estrago."

 

A entrada em Ambergris é perigosíssima. Tive de desviar de mais uma meia dúzia de cabeços até achar um lugar bom para ancorar. Cai na água para ver se a âncora tinha unhado e esqueci do choque no coral. A âncora estava firme. Bem à frente havia um outro cabeço e eu fui até lá, ver se achava uma lagosta para o jantar. Foi o Renato, que a essa altura já estava na água também, quem me chamou de volta: "Alexandre! Vem ver isso aqui!"



(Provo, 22/06/12)

Antes da tempestade vem a bonanza. Bedouin em South Side Marina, sem saber o que lhe espera.

Os trabalhadores do mar

 

Tivemos um dia muito produtivo e agradável graças à hospitalidade e gentileza do Bob, dono da South Side Marina. Entramos na Marina pouco depois das nove da manhã, na maré alta, para abastecer. Atracar em marinas continua sendo uma emoção, para mim. Ainda me sinto estacionando um ônibus numa garagem de edifício quando tenho de manobrar o Bedouin no espaço apertado entre os outros barcos. Pior, meu ônibus não tem freio!

 

Pois, no final das contas, enchemos os tanques de diesel e água e os galõezinhos de gasolina, tomamos banho (sem economizar água!), fizemos barba, Bob nos deu uma carona até um centrinho comercial próximo, onde fizemos compras de supermercado, e ainda chamou os oficiais da Alfândega que fizeram o nosso check-out na própria marina, sem cobrar nada a mais por isso. Ainda sentamos na sombra e carregamos as baterias dos notebooks e celulares nas tomadas da marina, enquanto líamos os e-mails e atualizávamos os blogs. E tudo o que pagamos, além do combustível, foi cinco dólares pelo uso do wifi.

 

Bob deve estar na casa dos sessenta anos. Vive em Provo há trinta e cinco, para onde veio a trabalho. Passou os últimos quinze construindo sua marina, quase como um hobby. Nos últimos anos, foi se afastando de todas as outras atividades e dedicando-se exclusivamente à marina, o que ele faz com visível prazer. Construiu seu brinquedo e agora se diverte com ele.

 

Nos despedimos no fim da tarde, já com a maré alta novamente e ancoramos na baía em frente. Acordei hoje às seis, ouvi a previsão do tempo no rádio e levantei âncora. Pouco antes das oito, ouço a voz do Bob, no rádio: "Atenção veleiros nas imediações de Provo. Esta é a South Side Marina e, as oito em ponto, abriremos a Cruiser's Net no canal 72, com a previsão do tempo". Mudei para o canal 72 e Bob abriu a rede perguntando: "Bedouin, vocês estão aí?". Respondi e ele acrescentou: "Vi que vocês saíram cedo. Boa viagem. Vamos ouvir de vocês quando completarem a volta ao mundo". Leu, então, a previsão local (mais útil que a que eu ouvi às seis, que cobre uma área muito maior) e passou os horários de maré alta e baixa para o dia. Quando ele terminou, o chamei no rádio, agradeci e me despedi.

 

Adoro a frequência com que encontro gente bacana nessa minha nova vida. Antigamente eu costumava dizer que, entre as pessoas que vivem de mergulho, quase só existe gente boa e bem humorada. Estendo agora esse juízo às pessoas que vivem do mar, em geral. Geralmente estão de bem com a vida.

 

A todos os Bobs dos mares do mundo, os que já conheci e os que ainda conhecerei, desejo um excelente dia!

 

(Turks and Caicos, entre Provo e Ambergris Cay, 19/06/12)

Perdi o meu filho!

 

Eu sou o mais improvável dos heróis de aventura. Praticamente tudo o que dá errado ou dá margem a algum tipo de "perigo" (entre muitas aspas!) acontece por bobagens que eu faço. Não foi diferente desta vez.

 

Saímos de manhã do Bedouin, rumo a Grace Bay, e, como ainda estava claro, esqueci de deixar uma luz de ancoragem acesa. Ficamos lá o dia todo. Quando voltamos, tinha anoitecido pouco antes e o céu estava completamente nublado, sem lua nem estrelas. Impossível enxergar o Bedouin.

 

Tínhamos ancorado o Bedouin no meio de uma baía, em frente à South Side Marina. A intenção original era entrar na marina para abastecer, mas como a maré estava muito baixa, ancorei fora e fui até a marina de dingue, fazer um "reconhecimento do terreno", onde entraria na manhã seguinte. Acabamos deixando o dingue amarrado lá e indo de carona para Grace Bay.

 

Cerca de oito da noite estávamos desamarrando o dingue, na marina, e começando nossa procura desesperada pelo Bedouin. Não dava para ver mais do que vinte ou trinta metros à frente. Rodamos para lá e para cá, na escuridão, por onde eu achava que o barco estaria, mas até isso era difícil precisar, porque não dava para enxergar nenhum ponto de referência e mesmo quando alguma coisa era visível (as bóias luminosas sinalizando a entrada da marina), era difícil estimar a distância no escuro.

 

Rodamos até quase acabar a gasolina do dingue. O barco simplesmente não estava onde deveria estar. Bateu o desespero total. As hipóteses mais malucas passavam pela minha cabeça. A âncora soltou e o Bedouin está escorregando, no escuro, em direção as pedras. Acharam que um barco apagado era um risco a navegação (e é, claro!) e o rebocaram dali. Tinha de haver uma explicação.... Já me imaginava dormindo na rua, rezando desesperadamente para o dia nascer logo para eu achar o meu barco. Isso se ele ainda estivesse inteiro, depois de passar uma noite totalmente apagado no meio do mar!

 

Renato queria desistir e ir pedir ajuda na marina. Eu hesitava. Primeiro porque não imaginava que tipo de ajuda eles poderiam dar. Segundo porque seria um constrangimento total ir lá e admitir que tinha deixado um barco apagado no meio da baía. Além de tudo, ilegal, claro. Resolvi fazer uma última tentativa, com o resto de gasolina (qualquer coisa a gente remava de volta - a marina, pelo menos, continuava visível por causa das luzes de navegação). Embiquei para fora. Achava que não tinha deixado o Bedouin tão longe, mas... No que eu embiquei para fora, o Renato falor: "Acho que estou vendo uma coisa clara lá na frente". Eu também via. Uma mancha um pouco mais clara que o entorno, mas bem difícil de distinguir. Meu coração se encheu de esperança. Acelerei na direção do vulto e três ou quatro minutos depois começávamos a ver o contorno do Bedouin.

 

Me senti como a mãe que acha que perdeu o filho no supermercado e, já com o coração apertado, o vê no fim do corredor dos chocolates.


Desculpe, meu amigo, companheiro tão fiel. Nunca mais deixo você sozinho no escuro.

 

(Provo, 18/06/12)

Próximos passos

 

Estamos começando a preparar a partida de Provo. Hoje, depois de uma manhã dedicada a pequenos reparos no Bedouin, levantamos âncora em Sapodilla Bay e rumamos para South Side Marina, para abastecer o barco (diesel e água). Como a maré estava muito baixa, acabei ancorando do lado de fora e adiando o abastecimento para amanhã. Resolvida a pendência do combustível, devemos voltar à Alfândega/Imigração para fazer o check-out. Na terça-feira bem cedo, se o tempo permitir, partimos para o sul. Ancoramos em Ambergris Cay para a noite e deixamos a ancoragem na manhã seguinte. Dormimos em Big Sand Cay, na noite de quarta. Na quinta-feira de madrugada, bem antes do nascer do sol, começamos a longa travessia para a Republica Dominicana (80 milhas náuticas até Luperon). Se o vento e mar permitirem a relização deste planejamento, internet, novamente, só na República Dominicana e não antes de quinta-feira.

 

(Provo, 17/06/12)

Os "pseudo-táxis" de Turks and Caicos

 

Contei aqui que Provo tem um esquema de "carona cobrada" que funciona como alternativa ao táxi. Na prática, existem táxis de fato e de direito e táxis só de fato. Estive em TCI uma vez, há alguns anos, mas não fazia idéia da existência dos "pseudo-táxis". Mas, na ocasião, eu era o turista típico: aluguei um carro no aeroporto, na chegada, e só devolvi na partida. Nada como ser "duro" para descobrir como realmente as pessoas vivem...

 

Como funcionam os pseudo-táxis? Como reconhecê-los, se não têm letreiro luminoso, pintura diferente ou placa de outra cor? Imagine que você está caminhando na beira da "estrada" (a cidade é espalhada pela ilha e, praticamente, não tem ruas e cruzamentos, mas estradas e rotatórias). Um carro passa ao seu lado, dá duas buzinadinhas (sempre duas, não uma e nem três) e o motorista passa devagar, olhando para você e aguardando sua reação. Se você é uma mulher bonita, talvez seja uma cantada, não sei. No meu caso, é, invariavelmente, um "pseudo-táxi" de Provo. Faço um gesto qualquer e o motorista para. Você diz pra onde vai e ele diz: "Entra aí" (nunca me aconteceu de dizerem nada diferente). As vezes já existem outras pessoas no carro (passageiros também, que vão na mesma direção que você - foi assim que conhecemos a senhora que trabalhava no restaurante do hospital, lembram?). O carro é quase sempre velho e a sua conservação deixa a desejar. O motorista é, muitas vezes, imigrante estrangeiro (fui para Grace Bay, anteontem, no carro de um haitiano que mora aqui há quatorze anos). O preço é sempre uma incógnita. A mesma corrida (Sapodilla Bay para Grace Bay) já custou $7, $10, $20 e escorchantes $40! Ainda assim é mais barato que o táxi ($50 por esta mesma corrida).

 

Mas é sempre assim? Sempre duas buzinadinhas, sempre um carro velho, sempre um imigrante do terceiro mundo? Não. Foi diferente duas vezes. Os carros eram novos, os motoristas, expatriados do primeiro mundo (um americano e um canadense), não deram as duas buzinadinhas. E cobraram... nada! Eram apenas boas almas dando carona para duas pessoas que realmente pareciam precisar dela. Já os "pseudo-táxis" são sempre como eu disse, mesmo.

 

(Provo, 17/06/12)

Estou de volta!

 

Estou em Turks and Caicos, e com acesso à internet, novamente. Publiquei 10 novos posts (vejam abaixo), contando o último dia em George Town e a descida até aqui, incluindo a passagem por Clarence Town, onde vi um Blue Hole. Imperdível! Vejam as fotos aqui

 

(Provo, 16/06/12)

Até que enfim sexta-feira!

 

Programa de sexta a noite em Provo: fomos a um bar, em Grace Bay, com música ao vivo. O lugar se chama Danny's Buoys. Recomendo fortemente.

 

O público é de expatriados - estrangeiros que residem na ilha. Assim como nas Bahamas, eles são reconhecíveis pela cor da pele - os sotaques britânicos, australianos, e americanos (havia até uma brasileira) apenas confirmam a generalização. Pela aparência, também poderiam ser turistas, mas a maneira com que todos cumprimentam uns aos outros e às garçonetes mostra que eles são frequentadores usuais do local.

 

Uma banda canadense (que também deve tocar no local há algum tempo), garante a boa música. Uma moça, que faz muita careta ao cantar, meio imitando Janis Joplin, e um careca elétrico se revezam nos vocais. Ambos muito bons. O público canta junto, todo mundo fala com todo mundo. Uma grande confraternização.

 

Noite de sexta excelente. Queria que minha gata estivesse aqui comigo!

 

(Provo, 16/06/12)

Como fui parar no hospital em Turks & Caicos

 

Isso mesmo. Depois do sucesso de "Como fui parar na Polícia em George Town", estamos lançando a seqüência "Como fui parar no hospital em TCI".

 

Caminhávamos para a cidade, depois de sair da alfândega, quando Renato pediu carona para um carro que passava. O carro parou. Dentro, o motorista e duas mulheres no banco de trás. Falei com o motorista: "Estamos indo para o centro. Você pode nos levar?". "Claro. São cinco dólares cada". Depois descobrimos que essa prática é comum. A ilha tem poucos táxis e "carona cobrada" é um meio de transporte usual. As duas mulheres que estavam no banco de trás também eram passageiras.

 

Sentei no banco do carona e o Renato no banco de trás. Renato perguntou às mulheres se elas conheciam um lugar para comermos. Uma delas, uma senhora gordinha, perguntou se gostávamos de jerk chicken. Respondi que nunca tinha provado. "É bom?", perguntei. "Uma delícia". E danou a falar de uma cafeteria que tinha vários tipos de comida servidos num bufet, com um bom preço. Ela deve ter dito onde era, mas eu não escutei ou não entendi. Ela falava rápido e estava sentada atrás de mim. Lost in translation, como no filme, que eu adoro, da Sofia Coppola. A senhora gordinha perguntou: "Vocês querem conhecer o restaurante?". "Claro, por que não".

 

E o motorista nos levou ao hospital onde a senhora gordinha trabalha. Almoçamos lá, no restaurante do hospital, uma comida bastante decente e com bom preço. Deu certo, mas não deixa de ser engraçado ir comer no hospital numa ilha turística do Caribe.*

 

(Provo, 15/06/12)

 

* Tecnicamente, o Caribe só começa mesmo das Ilhas Virgens para baixo, mas todo mundo se refere a todas estas ilhas como "o Caribe", então por que ser purista?

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Comments

  • Claudia Cappelli (Sunday, June 24 12 08:10 pm EDT)

    Caraca!!! Já tava achando que você tinha passado mal com a comida!!!

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Mais um país!

 

Tem bandeira nova tremulando no mastro do Bedouin. É a de Turks and Caicos, ou TCI, como eles mesmo se chamam (de Turks and Caicos Islands). É um arquipélago que já foi colônia britânica, território ultramarino com administração independente e que agora quer romper todos os vínculos com a Grã Bretanha. Há poucos dias houve uma manifestação grande nas ilhas, protestando contra a cobrança de impostos por parte da Inglaterra.

 

É um destino turístico importante e um dos melhores lugares para mergulhar no mundo. Estive aqui, uns quatro anos atrás, e mergulhei com a Marina. Pena ela não estar aqui, agora...

 

(Provo, 15/06/12)

Partida para Turks and Caicos

 

Revoltados com a nossa partida ou precocemente saudosos, todos os mosquitos das Bahamas vieram ao Bedouin, despedir-se da tripulação. Tive uma noite medonha, em que não conseguia dormir. A ancoragem em Southeast Point não tinha um pingo de vento, fazia um calor dos infernos e nada, nem inseticida ou repelente, me livrava dos mosquitos. Rolava de um lado para o outro sem conseguir dormir. As três e meia da manhã eu desisti. Levantei, verifiquei o óleo do motor (que estava um pouco baixo), subi a vela mestra e preparei a âncora para subir. Renato acordou com a movimentação e me ajudou a levantar âncora. Partimos no escuro, as quatro da manhã, com todas as luzes de navegação acesas e o cockpit iluminado pelos instrumentos. Assim que estávamos seguros e longe da ilha, aproveitei a brisa deliciosa que, ao mesmo tempo, refrescava e espantava os mosquitos e dormi no cockpit.

 

Entramos no Caicos Bank, um imenso banco de areia entre as ilhas Turks and Caicos, por volta das onze da manhã. Pouco depois do meio dia fazíamos o "check-in" no posto da Alfândega do cais comercial de Providenciales, com o Bedouin ancorado em Sapodilla Bay. De lá, fomos procurar o centro de Provo, que é como os locais chamam Providenciales.

 

(Provo, 15/06/12)

Mayaguana

 

Partimos para nossa última ilha nas Bahamas: Mayaguana. É uma ilha grande, porém remota (no extremo sul das Bahamas) e escassamente habitada (cerca de 300 pessoas). No dia 13/06, fizemos só uma esticada longa, partindo de Majors Cay, Crooked Island, cruzamos o Mayaguana Passage e ancoramos no lado oeste da ilha, numa ancoragem aberta e fácil chamada Betsey Bay, já no fim do dia. Foi uma passagem sem incidentes, mas avistamos uma baleia no caminho. Provavelmente uma baleia piloto. Por que uma baleia piloto? Porque ela usava macacão de Fórmula 1 e capacete. Brincadeira. O Renato acha que era uma baleia piloto, e eu concordo com ele. Parecia pelo tamanho (pequena - uns cinco metros no máximo), e pela cabeça arredondada. E também porque pega bem para este blogueiro identificar as espécies avistadas. Dá uma aparência mais profissional ao site, né?

 

Acordamos em Betsey Bay no dia 14 e movemos o barco para Abrahams Bay, o único povoado local, no fundo de uma baía cercada de recifes de coral.

 

Fomos até a vila. Eram pouco mais de onze da manhã, mas o calor era insuportável. Mais de quarenta graus, com certeza. Um grupo de homens conversava, embaixo de um "coreto". Perguntamos onde poderíamos tomar uma cerveja e eles apontaram para um deles: "Ele tem um bar". Ele se levantou e pediu: "Esperem um pouco que eu vou buscar a chave". Caminhou até uma casa próxima e voltou cinco minutos depois. Fomos com ele até o bar, que ficava a uns quatrocentos metros, na mesma rua. Junior, o dono do bar, nos contou que os atuais trezentos habitantes da ilha já tinham sido três mil, mas que a falta de emprego forçava os garotos a irem embora para outras ilhas. Tomamos uma cerveja no bar do Junior, o mais lentamente possível (mais uma desculpa para sair do calor inclemente que qualquer outra coisa). Saindo de lá, tentamos o acesso à internet, nos prédios da administração. Como em outras ilhas, Correio, Corte de Justiça, ­administração local, e, em Mayaguana, Alfândega, todos funcionam numa mesma casa ou conjunto de casas. Como nas outras, esse "complexo" administrativo (nunca mais que três casinhas), funcionavam embaixo da torre da Batelco, a telecom das Bahamas. Eles estavam sem sinal, portanto, como nos contou um sujeito que ficava na praia se oferecendo para providenciar água e combustível para o barco, "a ilha estava sem internet".

 

Almoçamos no Reggie's, uma birosquinha, onde o dono, Reginald Alexander, nos serviu frango assado com batatas fritas e trocou dez minutos de papo depois do almoço. Mais uma pessoa simpática, numa terra de gente simpática, onde eu fui extremamente bem tratado.

 

Ainda fizemos snorkelling nos bonitos recifes em torno de Abraham's Bay, procurando, sem sucesso, conch e lagostas. Antes das cinco da tarde levantávamos âncora rumo a Southeast Point, de onde partiríamos na manhã seguinte para Turks and Caicos, o segundo país na minha viagem.

 

Adeus Bahamas! Vou guardar esta temporada com carinho na minha memória...

 

(Mayaguana, 15/06/12)

Majors Cay

 

Saímos cedo de Clarence Town, rumo à Acklins Island. A intenção era ir para Atwood Harbour, mas no meio caminho era possível ver que a chance de chegarmos lá depois do por do sol era grande. Atwood é uma enseada cercada de recifes de coral. Impossível entrar à noite. Perto dali, nenhuma ancoragem fácil que pudesse ser feita sem luz. Nos restavam duas alternativas: encontrar algum lugar para parar antes de Atwood, que atingíssemos ainda de dia, ou arriscar a esticada até lá. Nesta segunda hipótese, duas coisas poderiam acontecer: chegar lá ainda com luz suficiente para entrar (ótimo), ou ser obrigado a seguir em frente até a próxima ilha, Mayaguana, onde só chegaríamos de madrugada, mas que tem uma ancoragem aberta, que pode ser feita mesmo no escuro.

 

Digressões vazias: linda essa árvore de decisões tão clara. Ir para Atwood ou parar antes. Indo para Atwood: chegar de dia e ancorar ou chegar de noite e partir para Mayaguana. Isso me lembra um conto do Jorge Luis Borges, "O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam", em que o jardim do título é uma metáfora para a vida, onde cada decisão nos leva a um caminho diferente. Onde eu estaria hoje se eu tivesse concluído o curso de Jornalismo na UFRJ que eu comecei e abandonei mais de vinte anos atrás?

 

Voltando ao assunto e ao problema da ancoragem à noite: resolvemos não arriscar. Estudando a carta náutica, achei uma ancoragem mais próxima, Majors Cay. Corrigimos o curso e seguimos para lá.

 

Entramos na enseada, também cercada de recifes, na luz baixa do fim da tarde, eu no leme e o Renato na proa, indicando o caminho. É bom ter companhia, e bem mais seguro!

 

(Majors Cay, 13/06/12)

Dean's Blue Hole

 

Da vila ao Blue Hole são quatro milhas no asfalto mais uma estradinha de terra. Mas estávamos tão iluminados que conseguimos uma carona. Uma caminhonete parou, eu disse ao motorista aonde íamos e ele respondeu apenas "Sobe aí". Viajamos na caçamba, junto com dois operários. A caminhonete saiu do asfalto, quatro milhas adiante e eu pensei: "Que sorte! Eles estão indo para uma obra perto do Blue Hole". A estradinha de terra se bifurcou e o motorista tomou a direita. Depois de uns dois quilômetros, chegamos a praia e ao fim da estrada. O sujeito tinha nos levado até o local! Agradecemos, ele deu meia volta e seguiu seu caminho.

 

A praia tem uma pequena enseada no seu canto esquerdo, de não muito mais de quarenta metros de diâmetro. A água clara permite ver perfeitamente o fundo de areia branca, até pouco depois da boca da enseada, onde o transparente se torna azul claro e o azul claro se torna azul escuro em questão de poucos metros. É o Blue Hole, uma "chaminé" de vinte ou trinta metros de diâmetro e duzentos e dois metros de profundidade (isso mesmo, 202m!). É inacreditável! (vejam as fotos). Contornamos a enseada pelas pedras, demos um mergulho, tiramos fotos e ainda vimos uma arraia.

 

Melhor de tudo, ainda conseguimos uma carona de volta para a vila, na caçamba de um caminhão.

 

Guilherme Arantes estava certo. Hoje foi um lindo dia.

 

(Clarence Town, 11/06/12)

Clarence Town

 

Você pode confiar em mim e no Guilherme Arantes. Saímos cedinho de Rum Cay e hoje foi um lindo dia, com o percurso até Clarence Town feito só na vela - um prazer, depois de ter motorado ontem o dia todo.

 

Chegamos em Clarence Town com boa parte da tarde pela frente. Tiramos fotos das duas igrejinhas locais (vejam aqui), comemos peixe frito com salada e arroz com lentilha numa birosca e caminhamos até a marina local. No caminho, vimos umas tartarugas nadando na água claríssima do braço de mar que leva à marina (fotos).

 

Na marina, nos informamos como chegaríamos no blue hole que tínhamos visto no guia da ilha.

 

(Clarence Town, 11/06/12)

 

Rum Cay

 

Meu grande amigo e filósofo bissexto Luiz André publicou um comentário aqui, depois que eu contei a estória da festa da Polícia: "Quando o barman já está te chamando pelo nome, é hora de mudar de porto". Sábias palavras. Segui o conselho do Lua e me despedi de George Town, mas para não ficar longe das referências etílicas, parti para um porto que se chama Rum Cay.

 

Chegamos em Rum Cay à tardinha, baixamos o dingue e fomos dar uma volta na vila.

 

Diz o Bruce Van Sant a respeito de Rum Cay: "It has (...) a friendly little community of under a hundred souls". Ou elas são muito menos de uma centena, ou ele incluiu na conta as almas desencarnadas, porque corpos eu não vi mais de meia dúzia, incluindo as duas senhoras simpáticas que nos cumprimentaram muito efusivamente e informaram que "comércio aberto, só amanhã".

 

Se o Guilherme Arantes e o meu planejamento de viagem estiverem ambos corretos, amanhã será um lindo dia que me verá no mar antes mesmo do comércio de Rum Cay abrir as portas. Fica para a próxima vez...

 

(Rum Cay, 10/06/12)

Chegada do Renato Serigni

 

Renato chegou hoje, por volta das três da tarde. Fizemos compras de supermercado e enchemos os dois galões de diesel (36 litros, no total), que ficam sobre o convés, para o caso de uma emergência. Além disso, passamos numa liquor store para comprar cerveja. Nas Bahamas, nenhuma bebida alcoólica, nem mesmo vinho ou cerveja, é vendida no

supermercado.

 

Ainda deu tempo de levantar âncora em Kidd's Cove, atravessar para Stocking Island e tomar uma cerveja no Chat 'n' Chill antes de partir para Fowl Cay. Ancoramos em Fowl Cay, já na saída leste de Elizabeth Harbour, para facilitar a partida na manhã seguinte. Fiz um molho a bolonhesa, cozinhei um espaguete, jantamos e dormimos cedo.

 

(Fowl Cay, Bahamas, 9/06/12)

Minha passagem pela Polícia

 

Ontem à noite, resolvi dar um pulo na cidade, antes de dormir. Ainda do Bedouin já era possível ouvir a música alta. Festa, em algum lugar. Amarrei o dingue no cais do Exuma Markets e fui seguindo o som.

 

A festa rolava em torno de uma casa grande, perto do palácio do governo. Na frente, lia-se numa placa grande "Royal Bahamas Police Force". A festa era na Polícia. Meio desapontado, voltei caminhando, pensando em dar um pulo no Charlie's para tomar uma cerveja. Nisso, um sujeito a uns trinta metros de distância, começa a gritar: "Ei, você! Você aí!". Olhei em torno. Só podia ser comigo. Não havia mais ninguém na rua além de nós dois. O sujeito parecia um desses malucos de rua. Em São Paulo eu teria ignorado. Mas estou em George Town, e caminhei na direção dele. "Comigo?". "Claro! Tá indo aonde? Tem festa, hoje". "Mas eu pensei que era uma festa particular...", respondi. O maluco não se abalou: "Claro. Da Polícia. Mas não tem problema, não! Eu também fumo uns baseados de vez em quando, mas qual o problema? É festa! Comida e bebida de graça. Vamos lá!". Diante da lógica irrefutável dos argumentos do meu novo amigo, resolvi dar uma nova chance à festa. Quando a gente passa a responder aos malucos da rua, é de se preocupar. Quando se começa a dar ouvido ao que eles dizem, o caso é sério...

 

Chegando na festa, me desvencilhei do meu "colega" e fiquei pela frente, dando uma olhada no ambiente. Nisso, K.B., o dono do Chat 'n' Chill me chamou: "Alex, chega aqui!". Me levou até o bar e disse para o barman: "Esse é o Alex, do Brasil. Vê o que ele quer beber." O balcão improvisado tinha todos os tipos de destilado e vários sucos de fruta. Pedi um rum com suco de abacaxi.

 

K.B. estava feliz. "A música é boa, né?". "Excelente!", respondi, "mas eu pensei que a festa era privada". "E é. É da Polícia. But this is Bahamas, man! You're welcome! Everything is all right!"

 

Fiquei por ali, bebericando meu rum com abacaxi (ficou muito bom!) e ouvindo a música. Começaram a servir comida. Esperei a fila diminuir e peguei um prato. Arroz, costelinha com molho barbecue, salada de batata, cole slaw, frango assado. Ainda estava com o prato na mão, procurando um lugar para me instalar quando K.B. me chamou para a sua mesa, onde ele jantava com a irmã e o cunhado.

 

Tive de mandar um SMS para a Kátia, contando. Festa da Polícia. Pode?? Mas isso é as Bahamas. Tá tudo certo!

 

(George Town, 8/06/2012)

veja o vídeo da festa aqui



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Comments

  • Simone Brito (Friday, June 08 12 03:15 pm EDT)

    Mais um bom "causo" pra se contar. Isto sim e ser bem- vindo! Até na Polícia.
    Bom ver você no vídeo. Devia aparecer sempre.
    Abraço,
    Simone

  • Ana Carolina (Friday, June 08 12 03:56 pm EDT)

    "But this is Bahamas, man!"Hahahahaa, sensacional pai!! Não há melhor maneira de se conhecer realmente um lugar do que se infiltrando entre os nativos. Beijosss

  • Luiz André (Friday, June 08 12 10:02 pm EDT)

    Quando o barman te chama pelo nome, é porque tá na hora de trocar de porto. abraço.

  • Claudia Cappelli (Sunday, June 10 12 09:10 pm EDT)

    Quero saber se o carinha te ofereceu um baseado? kkkkkkk!!!!

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Vinícios de Moraes que me desculpe...

 

Nem cachorro, nem uísque. Os melhores amigos do homem são o livro e o guincho de âncora elétrico.

 

(George Town, 7/06/2012)

Ê vida mais ou menos!

 

Como já contei, estou esperando um amigo que está vindo me encontrar. Ele estava no Timor Leste, do outro lado do mundo. É uma longa viagem até aqui, e ele só chega no sábado, 9/06, ao meio-dia.

Enquanto isso, me divido entre duas ancoragens (as vezes troco mais de uma vez por dia). O tempo está maravilhoso, com dias ensolarados e brisa constante, e as pessoas são educadas e simpáticas nos meus dois portos.

Em Kidd's Cove, vou até a cidade, leio e escrevo e-mails, faço compras de supermercado, quando necessário, abasteço o Bedouin com água, leio, escrevo e publico os posts para este blog. Em duas das últimas noites, fui ao Charlie's, que fica a uns três quilômetros daqui. Na primeira vez, fui de dingue. Ontem, caminhei até lá. O vento e a minha disposição ditam o meio de transporte. Charlie é bom papo e o bar tem a melhor seleção musical de George Town (toca até música brasileira).

Em Stocking Island, minha segunda ancoragem, nado (delícia nadar num mar de água transparente!), leio na praia, como conch salad, converso com K.B. e quem mais estiver por lá, faço excursões a pé pela ilha.

Resumindo, tirando as coisas práticas, como compras, consertos, refeições, arrumação do barco, nos dois lugares eu converso, leio e escrevo.

 

Deus, como era a vida antes da invenção da escrita?!



(George Town, 7/06/2012)

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  • Simone Brito (Thursday, June 07 12 05:09 pm EDT)

    Sorte ter a escrita e saber usá-la tão bem. Imagino que nadar nestas águas lindas seja como experimentar imagem e sensações de um sonho... E o melhor, sem precisar acordar. Mas neste caso, nenhuma
    palavra dita ou escrita seria capaz de descrever. Mais uma vez, sorte a sua!
    Beijo, Simone

  • Regina Maria Serigni (Friday, June 08 12 08:24 am EDT)

    Muito prazer, eu estou tambem anciosa pela chegada de Renato(meu filho, que fará parte desta sua viagem que passara´ser de vocês, embora sabendo que são amigos, mas estar com alguem 24 horas e dias e
    noites a fim,é preciso terem uma grande sinergia , sei que o Nato ou o Re é bem como eu auto adaptavel, mas cada um com seu cada um , manias ...traumas e experiências vividas desta ou de outras
    vidas(sei lá) Desejo de coração um excelente convívio e uma ótima viagem e que tudo corra na mais perfeita Harmonia. Estarei rezando por vocês. Paz e Bem ! Namastê. Abçs Regina Maria

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Nova fotos

 

Acabo de postar fotos novas de Stocking Island. Vejam aqui

 

Aceitei uma sugestão do Beto Pandiani e estou passando as fotos para o Flickr. Elas agoras podem ser vistas em alta definição.

 

(George Town, 4/06/2012)

Chat'n Chill

 

É um lugar bom para bater papo e refrescar a cabeça, como diz o nome. Fica numa praia linda, em Stocking Island, bem em frente a George Town. As pessoas são legais, a cerveja é gelada e serve a melhor conch salad das Bahamas, preparada num quiosque na beira da praia (aquele das arraias do vídeo).

 

O proprietário, que se apresenta como K.B., é um negro de idade difícil de estimar, mas que provavelmente está perto dos sessenta. Economista formado pela Universidade de Chicago, uma das escolas de Economia de maior prestígio do mundo, me contou com enorme prazer como os professores e colegas americanos subestimavam aquele island boy no primeiros dias na universidade, e como ele ocupou seu espaço mostrando que "sabia das coisas". Quando soube que era brasileiro, me disse que admirava o presidente "Lula da Silva", por ter tirado vinte milhões de pessoas da miséria com sua política de redistribuição de renda que pagava para que os pobres mantivessem os filhos na escola. Achei melhor não contar que este programa tinha sido introduzido no governo anterior e apenas ampliado pelo Lula e passar por cima das restrições que eu faço à atuação do PT no poder. Ele me contou que esteve na África no ano passado e que viu muitas empresas brasileiras atuando em Angola, Moçambique e África do Sul, o que, confirmou para ele o bom momento econômico do país. K.B. me disse que teve colegas brasileiros na universidade e que acompanha o país com interesse, desde então, e que ele e a mulher faziam planos de conhecer o lugar no ano que vem.

 

A televisão passava ao vivo um torneio de golfe e Tiger Woods vinha em segundo, com uma tacada a mais que o líder, faltando dois ou três buracos. Ele e um amigo fotógrafo, também negro, torciam efusivamente pelo Tiger - possivelmente também por afinidade racial. Não existem muitos negros entre os golfistas de ponta. Eu também simpatizo com o sujeito e torcia por ele. Numa tacada espetacular, Tiger acertou o buraco direto, golpeando uma bola que estava na grama alta, do lado de fora do green, e assumiu a liderança, que manteve até o fim, ganhando o torneio.

 

Juntou-se a nós na torcida um americano de uns setenta anos, Richard, que está aqui com a mulher, Sue a bordo de um catamarã que eu estimo ter uns 35 pés. O barco se chama Surich. Ele me explicou a razão, mas não teria sido necessário, né?

 

Richard era piloto de avião. Trabalhava para a Braniff, empresa aérea que já não existe mais, e voou muitas vezes para o Brasil. Conhece o Rio, São Paulo e Recife. Certa vez, no Rio, ia do hotel para o aeroporto e esqueceu a carteira no táxi. Só se deu conta quando precisou mostrar o passaporte e não o encontrou. Tentou localizar o táxi, sem sucesso. Já estava realmente preocupado, quando um outro tripulante da Braniff chegou ao aeroporto com sua carteira na mão. O táxi tinha voltado para o hotel, sem que o motorista tivesse visto a carteira. Por sorte, o passageiro seguinte era o outro funcionário da Braniff, que achou a carteira e conhecia Richard.

 

(George Town, 04/06/12)

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  • Renato Serigni (Tuesday, June 05 12 01:29 am EDT)

    Estou chegando!!! Vai dar tudo certo.

  • Simone (Wednesday, June 06 12 10:15 pm EDT)

    Que bom que está de volta Capitão! E vai ter companhia... Ótimo! Estava sentindo falta das suas histórias. As fotos estão ótimas com a sua D50.
    Beijos,
    Simone

  • Claudia Cappelli (Sunday, June 10 12 09:16 pm EDT)

    Estou de volta também para continuar te acompanhando...

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Fazendo hora

 

Estou por aqui, ainda em Elizabeth Harbour, esperando um amigo que vem fazer comigo uma parte do percurso (se tudo der certo, uma longa parte).

Enquanto isso, aproveito para relaxar. O tempo está maravilhoso. Sol esplêndido e muito mais calor que da última vez que estive aqui. Os veleiros desapareceram: agora que a temporada de furacões se aproxima, uns rumaram para casa (no norte, quase sempre) enquanto outros foram para o sul, procurar abrigo em huricane holes na República Dominicana ou Porto Rico ou descer até abaixo do cinturão de furacões.

As centenas de veleiros aqui agora se contam nos dedos das mãos. A cidade está mais vazia, o que é chato, mas em compensação está muito mais fácil de achar boas ancoragens.

Hoje a noite tem uma banda local que toca num bar no outro lado do Lake Victoria. Vou dar um pulo até lá e depois conto como foi.

 

(George Town, 4/06/2012)



Estou de volta!

 

Encarei as duas horas (isso mesmo!) do Morumbi a Cumbica, outras duas de espera pelo embarque, mais oito de vôo, tentando dormir sem posição, Imigração em Miami,  cinco horas de espera pela conexão e pouco mais de uma hora de vôo até George Town. Como dizia minha avó: não há bem que nunca acabe nem mal que sempre dure. O suplício terminou e ainda tive um fim de tarde agradável, com direito a conch salad e cerveja Kalik no Chat and Chill. Escrevo no Bedouin, já de banho tomado e me preparando para uma noite de verdade (pretendo dormir na horizontal, para variar!).

 

Amanhã conto mais.

 

(George Town, 2/06/2012)

Mapa do Percurso

 

Atendendo a pedidos, fiz um mapa do percurso do primeiro ano. Está longe do ideal, mas dá para ter uma idéia do progresso. Pode ser visto aqui

De volta a São Paulo

 

Estou de volta a São Paulo, depois de uma viagem cansativa, mas sem incidentes. Como vim de avião e eu não era o piloto, cheguei em São Paulo mesmo, e na data prevista. Volto ao Bedouin e a Gerge Town no fim do mês, logo depois da formatura da Marina.

 

Enquanto isso, não deixem de ver os dois vídeos que acabei de postar: as meninas da banda da escola pública de George Town, no encerramento da Family Island Regatta, a mais tradicional das Bahamas (veja aqui) e as arraias mansas que se deixam acariciar na beirinha da praia (veja aqui).

 

(São Paulo, 6/05/2012)

Um homem feliz

 

Dormi numa poita em Kevalli House, uma marina que é apenas um conjunto de poitas instaladas dentro de uma enseada minúscula e super-abrigada. Bob, o proprietário, anuncia a marina todos os dias, durante a cruiser's net como "the safest hurricane hole in the Bahamas" (o mais seguro abrigo de furacões das Bahamas). O lugar é tão pequeno e abrigado que tive de esperar a maré alta para entrar e o Bob foi na minha frente, numa lancha pequena, me mostrando o caminho, para não encalhar nas partes mais rasas.

 

Como eu ia pegar o vôo para São Paulo (com conexão em Miami) as 12:35, marquei um water taxi para ir me buscar no Bedouin as 10:00 e me levar até cais do centro, onde um táxi me esperaria e me deixaria no aeroporto. As dez o barco estava encostando ao lado do Bedouin, com o piloto e dois passageiros a bordo. Pulei a bordo levando apenas uma mochila - tudo o que preciso para chegar até São Paulo.

 

Os dois passageiros eram funcionários do Chat and Chill, um bar na beira da praia onde vivem as duas arraias mansas que filmei (assistam aqui). Deixamos ambos num cais minúsculo, quase em frente ao bar e seguimos, só eu e o piloto, para cruzar Elizabeth Harbour até o centro de George Town.

 

Me lembro que, quando eu era criança, os ônibus tinham uma plaquinha onde se lia: "Fale ao motorista somente o indispensável". Ignorando esta lição de bom senso que deveria ter aprendido na infância, vim batendo papo com o piloto. Falamos das eleições parlamentares das Bahamas (que serão no dia 7 de maio, na próxima segunda-feira) e da campanha eleitoral pegando fogo. Ele me contou que votará "nos vermelhos" (a cor do partido que está no governo hoje), e que acha que eles estão fazendo um bom trabalho, "apesar de ser impossível satisfazer a população de todas as ilhas das Bahamas, cada uma com suas necessidades". Os partidos são conhecidos mais por sua cor que por sua sigla (os principais partidos são "os vermelhos", "os azuis" e "os verdes") e a campanha eleitoral está pegando fogo.

 

O sol brilhava sobre a água intensamente azul de Elizabeth Harbour, numa manhã de beleza esplêndida. Fazia calor, mas uma brisa agradável nos refrescava. Olhei o meu novo amigo, pilotando seu barco através da baía e disse: "Sabe de uma coisa: seu trabalho não é nada ruim, né?". Ele abriu um sorriso enorme, os dentes parecendo ainda mais brancos em contraste com a pele negra, e disse: "Não mesmo! Não tenho nenhuma queixa. Adoro meu trabalho!". E acrescentou: "I enjoy it every single day!" e o jeito que disse não deixava dúvidas que ele estava falando a verdade.

 

Desembarquei no Government Deck sorrindo, também.

 

(São Paulo, 06/05/2012)

 

Até logo, George Town

 

Com tudo acertado para voar para o Brasil amanhã, pude aproveitar o dia em Stocking Island.

 

Este lugar é, simplesmente, maravilhoso. Ontem, estava sentado no cockpit e dois golfinhos subiram para respirar a dois metros do Bedouin. A água, claríssima, me permitia vê-los perfeitamente, enquanto eles se afastavam sem pressa nenhuma, do lugar onde eu estava ancorado.

 

Estava indo, no dingue, conhecer a marina onde deixarei o Bedouin quando uma tartaruga levantou para respirar bem na minha frente. Eu sei. Parece estória de pescador. Pois venham até aqui para ver se é ou não assim!

 

Hoje passei o dia na praia. Caminhei um bom quilômetro para o sul (parece coisa de mineiro, né? que diabos é um "bom quilômetro"? um quilômetro é, supostamente, uma medida exata, não?). Cruzei até o lado exterior da ilha por uma trilha pelo meio do mato. Parei em outra praia linda, desta vez, do lado leste.

 

Na volta, comi uma salada de conch deliciosa, numa barraquinha da praia. O sujeito que prepara a salada joga os restos na água e três arraias vêm comer o que sobra. Elas são tão mansas que a gente passa a mão nelas, na beirinha d'água (essa eu posso provar que não é conversa de pescador - filmei e vou publicar o filme aqui).

 

No fim da tarde, lia na praia, tomando uma Kalik e apreciando o por do sol.

 

Até breve, George Town.

 

(George Town, 03/05/2012)



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Comments

  • Claudia Cappelli (Saturday, May 05 12 07:58 pm EDT)

    Oi Alexandre, continuo te acompanhando. Tá tudo sensacional!!! Muito legal o churrasco na praia. Vi as fotos novas. Cada lugar mais lindo que o outro... Continue postando que estou velejando aqui nas
    suas estórias. Muito bom!!!

  • Andréa Scalari (Friday, May 11 12 09:18 pm EDT)

    Ola Alexandre! Estou acompanhando sua aventura! Tudo muito rico! Abs

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De volta ao Brasil

 

Ontém, quando atravessava Elizabeth Harbour, de Kidd's Cove, onde estava ancorado, até Stocking Island, onde seria realizado o "churrasco", tive um problema na direção do Bedouin. Percebi logo ao deixar a âncora em Kidd's Cove. O leme não respondia direito. Precisava dar dezenas de voltas na roda de leme para mover o barco uns poucos graus para bombordo ou boreste. Assustador. Ainda estava no meio dos barcos, num ancoradouro cheio quando percebi. Meio no susto, liguei o piloto automático que, por sorte, parecia estar funcionando. Desviei dos barcos ancorados usando o piloto automático (que permite mudar o rumo, de uma lado para outro, em intervalos de um ou dez graus). Cruzei o canal e ancorei bem em frente, para não dar chance ao azar. Se o piloto automático também me falta, ficaria desgovernado.

 

Este incidente fortuito teve duas consequências práticas. A de menor impacto foi que fiquei longe do churrasco na praia (vejam o outro post) e tive de chegar lá através de uma longa viagem de dingue. A mais relevante: resolvi voltar logo ao Brasil. Preciso estar de volta no fim de maio, para a formatura da Marina. Tinha a intenção de velajar até Turks and Caicos e pegar um avião de lá. Só que essa decisão envolve um risco. São mais quatro a seis travessias, algumas longas, até lá. Se der um azar de o tempo não colaborar, correria o risco de ficar preso numa das ilhas no caminho e perder a formatura. O problema na direção do Bedouin só reforçou a idéia de que imprevistos acontecem. Melhor não dar chance ao azar.

 

Hoje consertei o problema na direção, mas também arranjei uma marina super-protegida onde deixar o Bedouin até o fim do mês e comprei uma passagem para São Paulo para amanhã. Brasil, aqui vou eu!

 

(George Town, 03/05/2012)



Encontro de cruzeiristas

 

Ontem pela manhã, durante a Cruisers Net, rede de contato diária de todos os velejadores de cruzeiro em George Town pelo rádio VHF, foi marcado um "churrasco" na praia. Rigorosamente, um cook-out: alguém disponibiliza uma churrasqueira (no caso, era uma churrasqueira a gás) e os interessados trazem sua comida para assar e sua bebida.

 

Como estou sozinho e sem programa para o fim de tarde, me interessei na hora. As cinco da tarde estava lá, na praia, junto com os organizadores. Não tive nenhuma dificuldade em amarrar meu dingue no cais de madeira, ainda vazio. Logo começaram a chegar as pessoas. Lá pelas seis e meia, eu estimo que houvesse umas setenta pessoas na "nossa" praia (sim, só nós estávamos lá). Talvez um pouco mais. A imensa maioria, casais na faixa entre cinquenta e cinco e sessenta e cinco. Alguns mais velhos. Umas poucas famílias com filhos (chutaria que duas, apenas).

 

Os que aderiram ao cook-out em geral traziam salsichas ou hamburgueres e faziam sanduíches. Quase todos americanos. Uns poucos alemães e canadenses, e este brasileiro aqui.

 

Lá para as tantas, acenderam uma fogueira, para alegria das poucas crianças presentes. Uma mulher puxou um violão e começou a cantar e logo surgiu um outro violão e um outro cantor. Tivemos música até o fim do evento. Quase tudo country music americana. Muito pouca coisa que eu conhecesse.

 

No balanço geral, bem divertido. Conversando com os casais, fui constatando o quanto sou inexperiente perto deles, gente que cruza estas e outras águas há anos. Apesar disso, cheguei em segurança até aqui, o que é um feito de que me orgulho.

 

As nove horas, o evento não tinha nem cara de que estava perto de acabar, mas eu tinha ancorado bem longe (explico no próximo post) e tinha uma "longa" viagem de dingue de volta. Levei um rádio VHF portátil, porque se tivesse algum problema com o motor de popa, não daria simplesmente para remar até o Bedouin. Na dúvida, preferi sair cedo, quando ainda seria relativamente fácil pedir ajuda pelo rádio, se fosse preciso.

 

Não foi preciso. A "viagem" de volta foi deliciosa. Voltei cantando sozinho, embalado pela cerveja consumida na festa, pela alegria da confraternização com meus "pares" e iluminado por uma lua maravilhosa que se refletia no mar.

 

(George Town, 3/05/2012)



Publiquei as fotos de Chubb Cay,  Nassau, West Bottom Harbour, Allen's Cay, Highbourne Cay, Sanson Cay e Georgetown. Não deixem de ver.

O sol voltou a brilhar em Georgetown!

 

Talvez em homenagem ao Dia do Trabalho, temos sol, céu azul e toda a beleza das Exumas de volta.

 

Na foto, a entrada do canal que leva ao Lago Vitória (às costas deste fotógrafo). Dentro do lago está o cais de dingues que mostrei em outra foto (super-

congestionado). Bem na frente (ao fundo da foto) está Kidds Cove, o ancoradouro aonde o Bedouin está.

 

Tudo indica que quinta-feira será um bom dia para deixar Georgetown. Dependendo da direção do vento, vou para Conception Island ou Rum Cay. De um modo ou de outro,  continuando a caminho de Turks and Caicos, a próxima parada depois das Bahamas. Mas, antes de chegar lá, ainda tenho uma ou duas paradas (Maguayana, com certeza, e, talvez, Plana Cays).

 

(Georgetown, 01/05/2012)

Retido pelo mau tempo

 

Chove copiosamente em Georgetown desde ontem. O mau tempo que eu temia que me prendesse em Cove Cay chegou mesmo. Melhor ter sido aqui, mas ainda assim, a chuva está estragando a festa.

 

Não há nada a fazer. Nem ir embora é uma possibilidade, porque o vento e as ondas não permitem deixar Elizabeth Harbour. Estou preso em Georgetown até, pelo menos, quinta-feira.

 

Não seria ruim, se pelo menos a chuva desse uma trégua...

 

(Georgetown, 30/04/2012)

Considerações fonéticas (e pretensamente etimológicas)

 

A palavra Cay (como em Gun Cay, Chubb Cay, etc.) denomina qualquer ilhazinha e, nos países do Caribe de colonização inglesa, sempre se pronuncia "qui" (igualzinho à key, chave em inglês). Curioso, porque tudo indica que tenha a mesma origem de cayo, que significa ilha em espanhol.

 

Do mesmo modo, a palavra key com significado de ilha, como usado na Florida (em Key West, Key Biscayne, Key Largo, etc.), me parece óbvio, tem a mesma origem.

 

Especulação desvairada: Ko, em tailandês significa ilha. O lugar que serviu de cenário para o filme "A Praia", com o Leonardo de Caprio, é Ko Phi Phi. Mergulhei numa ilha que se chamava Ko Raja. Cay, key, ko... Será possível que a palavra em tailandês também tenha a mesma origem??

 

Nada como uma tarde de chuva sem nada a fazer em Georgetown para levar o pensamento para lugares inesperados...

 

(Georgetown, 29/04/2012)

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Comments

  • Renato Serigni (Tuesday, May 22 12 12:21 am EDT)

    Fala Bedoiun!!!
    Que legal está ficando o blog, os posts.....
    Bem, estava lendo e "percebi" uma "coincidência", que é claro, talvez já tenha feito a mesma correlação, o nome de sua filha e os lugares mais seguro que vai ancorar seu barco (mundo)...
    Grande Abraço
    Renato Serigni

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Georgetown, capital da.... Bahia???

 

Arranjei um lugarzinho para amarrar o dingue no cais, dentro do lago Vitória (que se liga à Kidd's Cove por um canalzinho de três metros de largura, por baixo de uma ponte), já ouvindo a música alta. Passei o deque de madeira com a placa "Welcome to Georgetown" já com um sorriso de orelha a orelha e cai na rua em... Salvador! Música alta, muita percussão, negros e negras bonitos dançando na rua, latinha de cerveja na mão, cheiro de peixe sendo frito. Carnaval na Bahia? Não, mas lembra, viu Fabíola?

 

Não podia ter recepção melhor. Cheguei num dia de festa. Está havendo uma regata na cidade (Familly Island Regatta) e ontem tinha desfile da banda da polícia e da banda da escola local, na rua principal. Todo o centro é cheio de barraquinhas de comida e bebida, que, ontem, vendiam mesmo era cerveja gelada. Amei!

 

Morrendo de fome, depois de ter comido só um sanduíche de queijo durante a travessia, comi uns "conch fritters" (parece um bolinho de bacalhau feito de conch) e tomei uma cerveja assistindo a parada das crianças da escola. Vou tentar postar um filminho.

 

(Georgetown, 28/04/2012)

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Georgetown, capital da vela de cruzeiro

 

Nas marinas e ancoragens até aqui, vi poucos veleiros fazendo cruzeiro, no máximo três, contando com o Bedouin, por ilha (Nassau é uma exceção, claro, mas lá é difícil separar o joio do trigo - locais, cruzeiristas e gente que só deu uma "esticada" da Florida e já vai voltar). As marinas ao norte daqui são ocupadas por iates e grandes lanchas para pesca oceânica. Muita gente vem para cá pela pesca dos "peixes de bico".

 

Georgetown é diferente. Como disse, deve haver mais de uma centena de veleiros de cruzeiro por aqui. O cais dos dingues (dinghy dock) dentro do lago Vitória, no centro de Georgetown, é tão lotado que foi difícil arranjar um lugarzinho para amarrar o Achilles (vejam fotos).

 

Aqui existe até uma "cruiser's net" no rádio VHF (canal 72, todo dia as 8:00, para repetir a previsão do tempo, passar comunicados, comprar, vender e trocar coisas e combinar a programação do dia, que pode ser volei na praia, churrasco, festa!).

 

Georgetown é conhecida também como "chicken harbour". Chicken, literalmente, é galinha, mas também significa covarde, medroso, em inglês. Os americanos descem até aqui, boa parte do tempo dentro do Bahamas Bank, ou protegidos do lado oeste das Exumas (como eu fiz). Daqui para frente, é sempre mais exposto e travessias mais longas até chegar ao Caribe propriamente dito. Falta coragem para enfrentar essa amolação e eles vão ficando por aqui, com a desculpa de que têm algo para consertar no barco.

 

(Georgetown, 28/04/2012)

Georgetown, capital da pirataria

 

Georgetown é uma cidadezinha de pouco mais de mil habitantes, que já foi um conhecido refúgio de piratas e hoje é a capital dos cruzeiristas das Bahamas. Amei a primeira visão de Elizabeth Harbour, que, acredito, tem esse nome em homenagem à rainha Elizabeth - a primeira, não esta de hoje - que reinou numa época em que a Inglaterra era poderosa nos mares. Logo depois da curva, na entrada do "cut" é possível ver um paliteiro de mastros. Acredito que existam, neste momento, mais de cem veleiros aqui dentro. Só em Kidd's Cove, onde estou ancorado, são mais de trinta.

 

Finalmente, talvez o mais importante, Georgetown é a cidade do começo do filme Piratas do Caribe, onde Jack Sparrow/Johnny Depp está para ser enforcado. "Ahhh! Por que você não falou antes?? Agora eu sei do que se trata". Por causa da posição privilegiada para interceptar os galeões espanhóis carregados de ouro da América e das muitas ancoragens abrigadas, a pirataria já foi uma "profissão" muito praticada por aqui, e o lugar onde estou (Kidd's Cove - o covil do Kidd) tem esse nome porque, diz a lenda, era o refúgio favorito de um famoso pirata, o capitão Kidd. "Como assim famoso? Nunca ouvi falar dele?". "OK", eu pergunto, então, "me diz o nome de cinco piratas que você tenha ouvido falar". E, é bom acrescentar: "Jack Sparrow e Capitão Gancho não valem".

 

(Georgetown, 28/04/2012)

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Partida para Georgetown

 

Acordei as 6:00, como sempre, para ouvir a previsão do tempo no rádio. Vento leste, dez a quinze nós. Não o ideal para esta travessia, mas o tempo ia piorar nos próximos e, se eu ia ficar preso numa ancoragem por vários dias, que fosse em Georgetown, uma cidade, e não aqui, onde fico preso dentro do barco. Além do mais, este vento vai fazer a travessia desconfortável e a entrada no porto de Georgetown chatinha, mas ainda é passável.

 

Esperei até as 7:45, quando a maré parou de vazar. A maré baixando empurra a água para fora, fazendo com que a corrente no "cut" seja em direção ao oceano (oeste-leste). Esta corrente, encontrando o vento contrário (vindo de leste) levanta o mar. Os "cuts" são passagens estreitas, com recifes de ambos os lados, e ficam muito perigosos nessas condições.

 

Passei fácil e ganhei mar. Balancei um bocado por cerca de sete horas, motorando praticamente contra o vento, só com a vela mestra em cima, para dar alguma estabilidade, e pouco antes das três da tarde estava cruzando Conch Cay Cut, a entrada de Elizabeth Harbour, o porto de Georgetown. Dá um pouco de medo, com ondas grandes indo em direção a terra, mas uma fileira de recifes funciona como um quebra mar, e o Bedouin fez uma curva para a esquerda - para a proteção destes recifes, antes da linha de arrebentação das ondas, e seguiu protegido, mas num zig-zag que estudei muito na carta, marquei todo no GPS, mas fiz na mão, seguindo o GPS e as referências visuais. As três e vinte estava baixando âncora em Kidd's Cove.

 

(Georgetown, Bahamas, 29/04/2012)

Mico em Cave Cay

 

De Samson Cay é uma velejada rápida para Cave Cay, só 35 milhas, que eu fiz em pouco mais de quatro horas. Só que não dá para ir adiante. Todo o percurso, de Allen's Cay até aqui foi feito pelo lado oeste das Exumas, uma fileira de ilhas que corre no sentido noroeste-sudeste em que uma fica muito perto da outra. Diferente de travessias que fiz antes, aqui navego quase todo o tempo vendo terra e as ilhas oferecem alguma proteção do vento leste, deixando o mar bem comportado. Para chegar ao meu próximo destino, Georgetown, preciso passar para o lado do Atlântico (leste) - mar aberto e exposto ao vento leste.

 

O último lugar conveniente para cruzar para fora (num mar que se chama Exumas Sound) é Cave Cay Cut. Os "cuts" são essas passagens do lado "abrigado" das Exumas para o oceano.

 

Resolvi ancorar no lado oeste de Cave Cay, uma ilha minúscula com uma pequena marina, e sair de manhã cedo para fazer o trecho até Georgetown pelo lado de fora.

 

Como cheguei em Cave Cay as 12:40 e não tinha nada para fazer, resolvi dar um pulo na marina. Dito assim, parece fácil, mas exige um bocado de trabalho. Para as travessias, eu tiro fora o motor de popa do dingue, iço-o a bordo usando um conjunto de rondanas e o prendo ao púlpito de popa, num suporte próprio. O motor é razoavelmente pesado e, sozinho, isso me toma pelo menos vinte minutos. Depois, é preciso prender o próprio dingue nos cabos das roldanas que o prendem ao suporte, onde ele faz as travessias "pendurado" (vejam fotos). Mais uns cinco ou dez minutos. Resumindo: tirar o dingue da água consome uma meia hora e um bocado de suor, colocá-lo de volta o mesmo tanto.

 

Foi o que fiz: baixei o dingue, baixei o motor pendurado, desci para o dingue, desci o motor até o fundo do inflável, prendi o motor na plataforma de popa, soltei os cabos do suporte do dingue (não sem antes amarrá-lo ao Bedouin usando outro cabo). Acabado tudo isso, desci e tomei um banho para chegar na marina com cara passável, enfiei o laptop na mochila, peguei um galãozinho de gasolina reserva e desci para o dingue. Tudo isso observado pelo meu único "vizinho", de um veleiro ancorado a uns cinquenta metros do Bedouin.

 

Motorei até o interior da enseada onde fica a marina, invisível do lado de fora. Chegando do lado de dentro, a visão já não foi estimulante: uma casa grande e bonita que deveria ser a sede da marina, um único cais comprido e um único barco (um iate) ocupando um quarto do cais. Amarrei o dingue na outra ponta, próximo a um cais de combustível. Mal coloquei os pés fora do cais e um segurança se aproximou, num carrinho de golf. "Posso ajudá-lo". Dizer que queria perambular pela marina não pegaria bem. Arrisquei: "Queria comer alguma coisa. Onde é o restaurante?". "Não temos restaurante", foi a resposta. "Será que eu posso conhecer a marina?". "Não senhor, falei com eles pelo rádio e eles não estão esperando o senhor. Eles só recebem hóspedes.", e deu um sorriso para abrandar a dureza do recado. Agradeci, enfiei o rabo entre as pernas e voltei para o dingue.

 

Motorei até o Bedouin, guardei minha mochila, subi e guardei o galãozinho de gasolina, desci para o dingue, soltei o motor, icei a bordo, prendi no suporte, desci para o dingue, prendi os cabos do suporte do dingue (dinghy davits), voltei ao Bedouin, icei o dingue (dois palmos na popa, dois palmos na proa, e assim sucessivamente, até ele estar em cima). Travei as roldanas, ajeitei as defensas que protegem o dingue do atrito contra o barco e o suporte, amarrei ele bem amarrado a ajeitei todos os cabos soltos. Soltei a roldana que serve apenas para içar o motor, amarrei o cabo e guardei tudo no paiol de popa. Trouxe de volta a retranca da mezena para a posição (é nela que eu penduro a roldana para subir e descer o motor) e amarrei ela firme. Cobri o motor de popa com sua capa. Coloquei dentro do dingue o balde e as defensas que "moram" ali durante as travessias, amarrei tudo e voltei para dentro do Bedouin para ler.

 

Meu vizinho não deve ter entendido nada!

 

(Georgetown, 28/04/2012)

Escalando o mastro (desta vez o maior!)

 

Acordei as 6:00 na manhã de 27/04 ancorado na praia logo ao sul da entrada da marina de Sampson Cay. Aproveitando que a ancoragem estava muito tranquila, e o barco balançava pouco, resolvi escalar o mastro e tentar resolver os problemas com as duas velas da frente.

 

Eu tenho um conjunto de estribos e tirantes, que é "vestido" sobre a roupa como a estrutura de tiras que sustenta um para-quedista. Este conjunto é preso à uma fita de lona muito resistente com um gancho com trava de segurança na ponta. Isso serve para "amarrar" a pessoa a um ponto seguro, quando se vai à proa resolver qualquer coisa e o barco está balançando. A idéia é que um desequilíbrio não te leve a água, ou, na pior das hipóteses, que se você chegar a cair na água esteja preso ao barco.

 

Meu mastro principal (o maior, que sustenta a vela mestra), tem degraus (vejam fotos) e é possível subir até o topo usando a "escada". O jeito certo de fazer isso, porém, é com este equipamento de segurança (ou uma cadeira de Bosun) presa a um cabo comprido que passa por um moitão na ponta do mastro e volta para o convés, onde um segundo tripulante o prende a uma das catracas e vai "içando" o conjunto à medida que a pessoa que está escalando o mastro pelos degraus avança rumo ao topo. Desta forma, o segundo tripulante não chega a içar o primeiro, mas garante que ele está sempre preso, de modo que um passo em falso não leva a uma queda.

 

Não tenho ninguém que possa fazer este segundo papel, então teve de ser mesmo na cara e na coragem. De qualquer forma, vesti o equipamento de segurança todo e coloquei o clipe de segurança dentro do bolso. Subi o mastro até a altura em que é presa a staysail (mais ou menos três quartos da altura), prendi o clip no degrau acima de mim, de modo que, se eu caísse, a queda se limitaria a um metro e meio e terminaria comigo balançando junto ao mastro. Me machucaria, com certeza, mas não seria uma catástrofe. Consegui passar a adriça que tinha escapulido pelo moitão e prender a outra ponta comigo. Soltei o clipe e subi mais uns dois ou três metros até o topo, onde consegui desenroscar o cabinho que sustenta o enrolador de genoa (o que estava travando o jib), não antes de prender o clip na ponta do mastro.

 

Resultado: voltei ao convés em segurança, com os dois problemas resolvidos, mas todo suado apesar do vento frio da manhã. Ê medo de alguma coisa dar errada e eu acabar estatelado no convés sem ninguém por perto e a muitas e muitas milhas do hospital mais próximo!

 

É bom deixar claro que, os problemas com as duas velas da frente, apesar de só terem ocorrido por causa do vento forte, foram provocados por erros meus. Eu soltei a ponta da adriça da staydsail que estava enroscada em outros cabos quando trabalhava içando a mestra. O vento levou a ponta do cabo de perto de mim e eu esqueci dele (deveria ter amarrado de novo). Com o ventão, ele escapou todo e veio parar no convés. Erro meu. Idem com o enrolador de genoa. Afrouxei a adriça do jib para ter espaço para trabalhar e deixei que o suporte do enrolador, no alto do mastro, rodasse e impedisse o mecanismo de funcionar. Portanto, toda a aventura de subida de mastro foi só para corrigir duas lambanças que eu fiz trabalhando no convés na "pauleira" do dia 23.

 

(Georgetown, Bahamas, 29/04/2012)

De Highbourne Cay para Samson Cay

 

Passei a maior parte do dia 26 no percurso entre Highbourne Cay e Samson Cay. Como quase todos os lugares onde parei, esta é uma ilha que, com exceção de uma marina, não tem nada mais de civilização. Como tenho feito sempre, ancorei próximo da entrada para a marina, para ficar fácil de ir até lá, tentar um acesso à internet e ou um drinque no bar.

 

Outra ilha bonita, água transparente e tubarões-lixa bem ao lado do cais (vejam fotos). Consegui acessar a internet ($10 ao dia, muito lenta!). A internet nestes lugares é possibilitada por um link de satélite, que, dividido entre vários usuários, fica terrível.

 

Não esquentei lugar. Na manhã seguinte escalei o mastro para resolver as pendências com as duas velas de proa (leiam próximo blog), liguei para a minha gata (aniversário dela!) usando o telefone por satélite, e parti para Cave Cay.

 

Parece que estou correndo para o sul, ficando um dia só em cada ilha, e estou mesmo. Tenho de estar no Brasil no fim de maio para a formatura da Marina (que vai para Yale no segundo semestre!) e o lugar mais perto para pegar um avião é Provo (Providenciales, Turks and Caicos). Se enrolar demais nos lugares, não chego lá.

 

(Georgetown, Bahamas, 28/04/2012)

Highbourne Cay

 

Que dizer deste lugar? Que a água é absurdamente transparente e de um azul indescritível? Que é possível ver a areia no fundo da ancoragem, três metros abaixo da minha quilha? Que a paisagem é linda? Tudo isso está ficando repetitivo... Vejam as fotos e avaliem.

 

Highbourne Cay é uma ilha maior que as três ilhas de Allen's Cay juntas, mas não deve ter mais de dois quilômetros de comprimento (norte-sul) por quinhentos metros de largura (leste-oeste). Mas é mais alta e tem mais vegetação do que a maior parte das ilhas das Exumas, o lugar onde estou. Falando das Exumas: as Bahamas são divididas em arquipélagos dentro deste país que é um grande arquipélago. Assim, existem as Berry Islands, as Andros Islands, as Exumas e por aí vai. As Exumas são, evidentemente (basta olhar o mapa) as partes submersas de uma mesma cadeia, formando um arco no sentido norte-sul, com ilhotas muito próximas umas das outras.

 

Ancorei numa prainha logo ao sul da entrada da marina, garanti que a âncora estava bem enterrada na areia, peguei o dingue e fui passear na ilha. Tirei as fotos que vocês podem ver aqui. Depois do passeio, sentei na marina para ler. Já no finzinho da tarde, quase sete horas, caminhei até a ponta do cais, onde um rapaz limpava peixe pescado no dia. A surpresa veio quando olhei a água em volta da ponta do cais. Mais de uma dúzia (literalmente) de tubarões e uma arraia circulavam por ali, claramente visíveis na água transparente, esperando pelos restos de comida. A maioria dos tubarões eram nurse sharks (tubarão-lixa), inofensivos, mas vi dois Caribbean Reef Sharks, que eu não sei como se chamam em português. No Caribe, já vi muitos mergulhando. Eles sempre se portam de modo super-civilizado, mas são da mesma família daqueles que mordem as pernas dos surfistas na praia de Boa Viagem, no Recife (outro dia falo mais sobre tubarões). Sim. Fotografei! Fotos aqui.

 

(Highbourne Cay, 25/04/2012)

Comments

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  • Kadu (Thursday, April 26 12 09:01 pm EDT)

    Alexandre,
    Fantástico!!!!
    Tem que ter muita coragem para realizar uma aventura dessas.
    Sucesso!
    Vou acompanhar toda sua epopéia.
    Abs

  • Fernanda Trindade (Friday, April 27 12 10:15 am EDT)

    Alexandre,

    Incrível esta aventura! Paisagens literalmente paradisíacas. Não tem o que falar....enjoy it!!

    Abs,

    Fernanda

  • haroldo leles (Saturday, April 28 12 10:13 am EDT)

    parabens pela trip sucesso vo acompanhar sempre ... good luck

  • Patrícia Amato (Sunday, April 29 12 02:01 pm EDT)

    Tou adorando saber das suas aventuras, muito bom!!!!! Deve ter sido brabo essa chegada à Georgetown mas ainda bem que deu certo!!! Beijos,Pati.

Allen's Cay

 

Ou Allan's Cay, dependendo do guia e da carta náutica, fica a pouco mais de trinta milhas náuticas de Nassau. Para chegar lá, saí no começo da tarde de Nassau, depois de ter escalado o mastro e dado uma volta na cidade (duas horas de caminhada). Parti pela saída leste do porto, o lado oposto àquele por onde tinha entrado. Aliás, esqueci de avisar o Nassau Harbour Control, que pensa que eu ainda estou ancorado por lá...

 

Uma velejada curta (oito milhas, só) me levou a West Bottom Harbour, onde ancorei para estar melhor posicionado para a partida na manhã seguinte. Mais uma vez, segui duas das recomendações do Bruce Van Sant: stage your departure e never miss a sundowner. Ancorado para uma partida fácil na manhã seguinte, tomei aquela gelada ao por do sol.

 

Saí as dez para as sete. Antes do meio dia estava chegando em Allen's Cay, depois de uma travessia muito tranquila, só com a vela mestra e motor, porque, descobri já no caminho, também o enrolador do jib está com algum problema e a vela não desenrola (culta do "pau de vento" da ida para Nassau, certamente).

 

Allen's Cay é um conjunto de três ilhotinhas. É lindo. Mar azulão, como em todo lugar nas Bahamas (até em Nassau!). Ancorei bem no meio do triângulo formado pelas três ilhas. Elas são famosas pelos iguanas que vivem lá. Infelizmente, vocês não verão boas fotos deles, porque eu tenho medo dos bichos. Não tinha, mas certa vez, em Bonaire, fui atacado por um, que me obrigou a escalar um murinho de pedra com a Marina (ainda pequena) no meu colo! Não confie nesses bichos!

 

Encostei o dingue na praia, eles começaram a se aproximar, alguns de modo meio agressivo e eu tirei o time de campo. Fui fazer snorkelling do outro lado desta ilhota (Leaf Cay), onde vi uma arraia que, finalmente, consegui fotografar de modo minimamente decente (vejam as fotos).

 

Ainda cedo (pouco depois das duas), levantei âncora e fui para Highbourne Cay, que fica muito perto (menos de duas milhas náuticas), mas tem um acesso complicado em meio a uma fileira de recifes que tem uma única passagem estreita (felizmente, com as coordenadas escritas na carta náutica) e muitos cabeços de coral que devem ser evitados visualmente (ai que falta faz alguém para me orientar na proa!).

 

(Highbourne Cay, 25/04/2012)

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Urca????

 

Um receio recorrente é errar feio na navegação e ir para no lugar errado. Mas nem no meu pior pesadelo imaginei errar tanto. Como vir para na Urca???

 

Pois não é que eu vim? (vejam a foto).

 

Felizmente, a Urca em questão é a Utilities Regulation and Competition Authority, aparentemente, uma agência reguladora de todos os serviços de concessão pública (luz, água, telefone), como uma mistura de Anatel, Aneel, etc.

 

Melhor assim. Deixa a outra Urca para outra ocasião. Seria o cúmulo velejar tanto para acabar ancorado ao lado do Lady Laura...

 

(West Bottom Harbour, Bahamas, 23/04/2012)

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  • Galli (Saturday, April 28 12 05:24 pm EDT)

    Caro Alexandre,
    mesmo que errasse a rota, certamente chegaria a um belo lugar (e olha que sou paulista.rsrs). Continue curtindo e não se preocupe com os tubarões - aqui em terra também estamos cercados por alguns
    tipos deles, conforme mostra o noticiário diário. Abs.

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Foto encontrada na web

Escalando o mastro

 

Em Miami, comprei um negócio que se chama Mast Climber, que, como o nome diz, serve para escalar o mastro. Os seres humanos normais, que velejam com companhia, sobem no mastro usando uma coisa que se chama "cadeira de Bosun": uma cadeirinha que é amarrada a uma das adriças (os cabos que servem para subir as velas). Uma pessoa toma assento na cadeirinha e outra a suspende, usando uma das muitas catracas que qualquer barco tem. Simples assim.

 

Como não tenho ninguém para me içar usando uma catraca, comprei o tal do Mast Climber, que parece um equipamento de alpinista. São dois "freios" que podem correr em qualquer das adriças a bordo. No de cima, fica presa uma cadeirinha. No de baixo, dois estribos para os pés. A gente sobe liberando o freio de cima e usando as pernas (ficando de pé sobre os estribos. Depois, senta na cadeirinha, libera o freio dos pés e puxa os estribos para cima. A coisa é simples, mas o procedimento é apavorante. Dá medo da estrutura da adriça não aguentar meu peso (vamos lembrar que tudo está preso numa roldana de plástico, um "moitão" no topo do mastro). Dá medo de dar algum problema nos freios e eu não conseguir descer (já imaginou, ficar preso lá em cima sozinho?). Como se não bastasse, o Bedouin estava no meio de um canal num porto movimentado. Cada vez que um barco passa próximo, o mastro balança de um lado para o outro e eu com ele. Além disso, a própria adriça não fica completamente estável, sempre tem alguma folga o que faz com que a gente balance praticamente o tempo todo.

 

Mas funcionou! Não ganho nada para fazer propaganda, mas a coisa faz o que diz que faz! Consegui subir no mastro (com medo ou sem medo), desembaraçar o cabo de aço enrolado no eixo do gerador de vento e descer em segurança. Evidentemente, não tenho uma foto minha no alto do mastro (quem tiraria?), por isso, mostro aqui uma das fotos de divulgação do produto.

 

(West Bottom Harbour, 23/04/2012)

Chegada em Nassau

 

A entrada em Nassau também reservou algumas emoções, mas de outra natureza (nada comparável à pauleira da vinda). É um porto movimentado, onde entram e saem navios de passageiro enormes todo o tempo. Por isso, mesmo barcos pequenos como o meu, têm de contactar o controle do porto pelo rádio e pedir licença para entrar (que, é claro, no caso de um barco como o meu eles sempre dão - eles só registram quem entra e sai). Me pediram até o número de registro do Bedouin! Eu não sei de cor e não tinha condições de descer para pegar os documentos do barco. Expliquei isso para o operador do porto e pedi para passar o nr. de registro quando ancorasse e ele concordou.

 

Contrariando a recomendação do guia de cruzeiro que eu tenho, não fui para nenhuma marina. No primeiro ancoradouro - logo após o cais dos navios de passageiros - entre o resort Atlantis, em Paradise Island, à minha esquerda e o centro de Nassau, a minha direita, ancorei o Bedouin entre outros veleiros. O guia recomenda não ancorar em Nassau por causa dos casos de furtos em barcos ancorados e roubo de dingues e motores de popa destes.

 

Ancorei, ajeitei as coisas a bordo, do jeito que dava num fim de dia. Nem tentei desembaraçar o cabo enrolado no gerador de vento, não tinha mais forças e disposição para uma empreeitada destas. Baixei o dingue. Baixei o motor de popa. Prendi o motor no dingue. Por precaução, peguei um galãozinho extra de gasolina e toca para a cidade. Um dos livros que eu li recomendava parar o dingue no cais do BASRA, o órgão de resgate e salvamento no mar das Bahamas (o que a Guarda Costeira faz em outros países). Só que o BASRA não tem mais cais! Amarrei o Achilles (meu dingue) no cais do Blue Parrot, um restaurante. Uma placa dizia que o cais é de uso exclusivo dos clientes do restaurante e que qualquer outro tem de pagar cinco dólares pela atracação. Cinco dólares para deixar o dingue praticamente debaixo do nariz dos casais jantando, num lugar que tem fama de inseguro me pareceu uma pechincha. Ainda assim, passei um cabo de aço entre o dingue, o cais e o motor de popa e tranquei tudo com um cadeado grande.

 

Dei um passeio pela cidade, voltei e comi um peixe com salada e batata assada no Blue Parrot. Para beber, uma Kalik (esta se diz "a cerveja das Bahamas"). Estava gelada. 'E feita com mínima competência. Preciso dizer que era boa?

 

(West Bottom Harbour, 23/04/2012)

Que sufoco!

 

Imagine pegar um avião para a Europa, nas férias e, logo após a decolagem o piloto comunicar, pelo sistema de som, que talvez o avião vá para Lisboa ou talvez para Frankfurt - ele decidirá no caminho. Depois de algumas horas de vôo ele volta a falar: "Senhores passageiros, Lisboa já ficou para trás e não vale a pena voltar até lá. Não estamos seguros de chegar em Frankfurt com boas condições de pouso, por isso resolvemos pousar em Paris, mesmo". Ridículo, não é?

 

Pois é o que aconteceu comigo anteontem (21/04/12). Na véspera, ainda em Chubb Cay, eu escrevi aqui que, no dia seguinte partiria ou para Little Whale Cay ou para West Bottom, Rose Island. Pois as coisas começaram a sair do controle na partida. Demorei para sair da marina, esperando um funcionário para soltar os cabos na minha partida. Em condições boas, dá até para fazer tudo sozinho, mas ventava horrivelmente. Se eu resolvesse soltar os cabos, meu púlpito de proa bateria numa estrutura do cais, bem ao lado do meu slip, muito antes que eu chegasse à roda de leme. Mesmo com ajuda, foi um inferno a saída do slip. Manobrei com o vento forte me jogando contra os outros barcos parados e só um milagre me livrou de uma colisão. Deveria ter servido como aviso...

 

Queria abastecer antes de sair, mais o cais de combustível é separado dos slips, como em todas as marinas. É preciso ir até lá e atracar de novo. Quando eu saí do slip, avisei que precisaria de alguém no cais para me ajudar na atracação porque estava sozinho. Não adiantou. Não havia ninguém lá. Enquanto eu contactava a marina pelo rádio, manobrava de um lado para outro empurrado pelo vento contra os outros barcos. Um suadouro. Depois de dez minutos neste tormento o funcionário ainda não tinha aparecido, e eu desisti (antes que acontecesse um acidente!).

 

Mar aberto, finalmente, sem perigo de bater em nada. Mas... As ondas estavam enormes e o vento muito mais difícil de controlar do que eu imaginei. A direção do vento até estava razoável, como a previsão dizia (oeste), mas a intensidade era definitivamente demais para mim. Como o vento entrava muito pela popa, era obrigado a velejar em zig-zag, fazendo jibes a cada hora ou pouco menos. Cada um era um sofrimento. A vela de proa teimava em rodar por fora do estai e eu não tinha força nem braços suficientes (um polvo se sairia melhor) para soltar a escota da direita, caçar a da esquerda rápido o suficiente para que a vela não rodasse por fora e ainda controlar o leme. Para não falar que o barco deitava até a água estar quase no nível do convés, velejando de lado para ondas apavorantes

 

Depois de horas tomando um "pau de vento" como diz o Clauberto Pará, o resultado foi: absolutamente tudo fora do lugar dentro do barco (até livros que ficam numa estante própria para suportar o balanço do barco, com um aparador nas lombadas, cairam), seis carrinhos da mezena quebrados (uma vela a menos), a adriça da staysail (a vela que fica entre o jib da proa e a mestra) fora do moitão da ponta do mastro (duas velas a menos!) e o cabo de aço que sustenta a retranca da mestra enroscado no gerador de ventro.

 

.

 

Depois de quase quatro horas de sofrimento indizível desisti de velejar. Baixei todas as velas (até isso foi um sufoco), e segui no motor. Desisti também de ir até Rose Island, minha intenção original. Com tudo certo, ainda chegaria lá com luz, mas qualquer outro contratempo seria fatal.

 

Assim, decidi ir mesmo para Nassau.

 

Ainda bem que, nas suas férias, você viaja de avião, não de veleiro...

 

E que o piloto do avião não sou eu!

 

(West Bottom Harbour, Bahamas, 24/04/2012)

Os Alísios

 

Não são os filhos da Eliza com o Aloísio (desculpem a piada infame). São os ventos que ditam as regras no Caribe. Em inglês, eles são chamados de Trade Winds, os ventos do comércio. Isso porque os Alíseos tiveram um papel essencial nas Grandes Navegações e na intensificação do comércio. A Wikipedia dá outra explicação para o nome trade winds, baseada em uma acepção da palavra trade no começo do século XIV. Mas a versão que eu contei para vocês é muito mais popular e muito mais romântica. Por isso fico com ela e pronto (mesmo que, provavelmente, esteja errada).

 

Os Alíseos sopram de leste para oeste, tanto no Atlântico quanto no Pacífico (na verdade, fazem uma grande curva, mas isso é pouco relevante aqui). A maioria dos velejadores que dá a volta ao mundo segue um caminho chamado de milk route , suportada, em sua maior parte, pelos ventos Alíseos.

 

São eles que levam os velejadores europeus das Ilhas Canárias, na boca do Mediterrâneo, até o Caribe (praticamente repetindo a viagem de Colombo). São eles também que empurram os veleiros na travessia do Pacífico, de Galápagos até as Marquesas.

 

E são eles que sopram quase todo dia no nariz de quem se atreve a descer o Caribe, da Florida até a Trinidad e Tobago, um longo deslocamento para leste. Assim, fazer esse percurso implica em motorar muito, ou esperar as rodadas de vento que acontecem logo depois da passagem das frentes, quando o vento predominante de leste passa a soprar (por poucos dias) do norte/noroeste. É uma carona destas que pretendo pegar amanhã. Vamos ver se vai funcionar...

 

(Chubb Cay, 22/04/2012)

Pausa para relaxar

 

Acabei passando o domingo na marina de Chubb Cay, coisa que, a princípio, não pretendia fazer. Há que respeitar a natureza, porém. Se o mar não está para peixe, que dirá para beduíno... Fui caminhar na praia e vi um veleiro ancorado praticamente onde eu estava antes de me enfiar na marina. Batendo horrores. Eu estaria comendo o pão que o diabo amassou, sacudindo para um lado e para o outro e preso lá dentro (está difícil até para descer o dingue). Também não está tempo que aconselhe sair de lá para procurar ancoragem melhor. Bendita inspiração me fez resolver gastar esse dinheiro a mais...

 

A previsão é que amanhã o vento rode e o mar melhore. Se isso se confirmar, parto daqui para Little Whale Cay ou para Rose Island, dependendo das condições de mar. A primeira é uma ilha mais pertinho, só para ganhar um pouco de longitude para a próxima perna (andar um pouco para leste). A segunda já é depois de New Providence, a ilha onde fica Nassau, capital das Bahamas. É uma travessia maior e quase um dia de mar. De um jeito ou de outro, devo ficar uns dias sem acesso à internet.

 

A boa notícia é que, se o vento rodar mesmo para Oeste/Noroeste, como está previsto, vou poder velejar para qualquer dos dois lugares. Já disse aqui que esta descida pelo Caribe é feita com muito motor e pouca vela. Isso acontece por causa dos ventos predominantes na região, os Alíseos. Explico melhor no próximo post.

 

Foi bom o mau tempo ter me prendido aqui. Dei uma geral no barco, aproveitando a eletricidade farta e o conforto de estar atracado a um cais, enchi o tanque de água, recarreguei as baterias, literal e figurativamente, peguei uma piscina, e, principalmente, consegui responder à maioria das pessoas que me mandaram emails ou deixaram mensagens no site.

 

(Chubb Cay, 22/04/2012)

Bebida das Bahamas

 

No almoço de ontem, aproveitei para experimentar uma cerveja local. Tomei uma Sands, produzida em Freeport, outra ilha aqui das Bahamas. Gostosa (pra uma cerveja gelada ser ruim, é preciso ser muito ruim!).

 

À noite, provei um drinque local, o Goombay Smash, recomendado e preparado com carinho pela Lou Ann, a bar tender da marina, outra negra gordinha e simpática. É um coquetel com rum, suco de abacaxi e laranja, e um pouco de grenadine. Gostoso, também.

 

Obs: A foto eu também achei na internet. Não é o da Lou Ann!

 

(Chubb Cay, 22/04/2012)

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Comments

  • Claudia Cappelli (Sunday, April 22 12 10:05 am EDT)

    Como é a receita? Só misturar tudo ou teu algum segredinho?

  • virginia (Sunday, April 22 12 11:44 am EDT)

    Alexandre, que delícia! Que reinvençao! E Kátia, mostrando a fibra. Comece a coletar as receitas do que achastes muito bom, e divulgue.

  • Patrícia Amatp (Sunday, April 22 12 03:05 pm EDT)

    Fiquei com água na boca do drink!

  • Patrícia Amato (Sunday, April 22 12 05:11 pm EDT)

    Tou achando o máximo esse drink!

  • Leandro Rezende (Sunday, April 22 12 06:54 pm EDT)

    Cara, muito legal isso tudo aqui. Para dar parabéns teria que listar um monte de coisas, desde a iniciativa até as excelentes histórias, muito bem escritas (contadas!!!). Valeu pelo email enviado e
    vou seguindo tudo em terra firme (hoje bem longe do mar, infelizmente). Vai registrando aí que vamos viajando aqui...Abraço.

  • Wanderson Gloor (Monday, April 23 12 06:52 am EDT)

    Caracas, que show !!! Muito bacana. Sucesso em sua viagem.

  • Rodrigo Panico (Monday, April 23 12 10:28 am EDT)

    Alexandre,

    Que diário legal! Fotos incríveis. Boa sorte e grande aventura!!! Vou acompanhando por aqui e aproveitando tb.

  • Tânia Leal (Monday, April 23 12 10:50 am EDT)

    Ok!!!
    Encontrei minha diversão para todas as noites... acompanhar sua aventura... amazing!!!
    Parabéns pelo site... divino.
    Abs.

  • Conceição Siqueira (Monday, April 23 12 01:55 pm EDT)

    Alexandre, vou acompanhar essa aventura com certeza... Não sei se teria coragem de fazê-la, mas acho o máximo!!! Boa sorte e aproveite!

  • Giulio Alfieri (Monday, April 23 12 03:04 pm EDT)

    Alexandre, não nos conhecemos. Sou amigo de um amigo de seu amigo... Não dizem que com 6 pessoas chegamos a qualquer um no mundo, pois então.
    Estou entrando no mundo da vela, depois de anos de namora apenas e compartilhamos o mesmo sonho. Você ja o está realizando e eu espero em breve. Parabéns pela coragem de priorizar o que é prioritário
    na vida.
    Vou acompanhar seu blog bem de perto. Voce tem AIS? Seria muito legal te acompanhar nas travessias entre os posts.
    Bons ventos!

  • Ru Santosi (Tuesday, April 24 12 09:29 pm EDT)

    Antes de mais, quero felicitá-lo por essa incrível e, certamente maravilhosa aventura. Vou acompanhar com muito interesse esse feito só comparável aos nossos antepassados navegantes.
    Abraços deste seu admirador.
    Rui Santos (Pai do João Carlos)

  • Darli Cunha (Wednesday, April 25 12 09:58 pm EDT)

    Poxa Alexandre, QUe experiencia, nao!!!!
    Sabe que "navegando" pelo site veio uma vontade de reler o Conto da Ilha Desconhecida" do Saramago!

    O que estou fazendo neste exato momento.

    Acho que vale a leitura em algum momento entre as ilhas conhecidas, as desconhecidas e qualquer intervalo entre o que se conhece e desconhece nesta sua viagem incrivel.

    Bon voyage

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Comida das Bahamas

 

Aproveitei que estou preso aqui na marina para comer alguma coisa típica das Bahamas, no almoço. Pedi "cracked conch".

 

Conch (pronuncia-se conk) é o molusco que vive dentro de uma concha muito bonita, e que faz muito sucesso aqui nas Bahamas (vejam a foto, encontrada no Google). Lembrava de ter comido e gostado da última vez que estive aqui, quatorze anos atrás. Cracked Conch é uma receita em que a conch é empanada (passada no leite, na farinha e frita). Serviram aqui com molho tártaro, acompanhado de salada e batatas fritas. Estava uma delícia!

 

(Chubb Cay, 22/04/2012)

Muito obrigado a todos os amigos!

 

Ontem aproveitei o acesso à internet e a involuntária prisão no barco, ambas situações propiciadas / provocadas pelo temporal que desabou em Chubb Cay e me fez procurar abrigo numa marina, para lançar oficialmente o site. Disparei emails para todos os conhecidos e o resultado foi uma chuva de mensagens carinhosas que levantou meu astral e me manteve acordado até, pelo menos, meia noite e vinte (hora em que escrevo).

 

Não tenho como agradecer. Vocês, realmente, transformaram um dia de tédio e solidão em uma noite de grandes emoções... Tentei, meio desordenadamente, responder todas as mensagens. Se alguma ficou para trás, foi culpa da minha desorganização e despreparo para tanto sucesso!

 

Muito obrigado a todos pela gentileza e carinho. Vocês salvaram minha noite de chuva.

 

(Chubb Cay, 22/04/2012)

Terra à vista! (2)

 

Depois de passar por esta experiência pela segunda vez, posso dizer que entendo agora toda a emoção que existe por trás dessa frase e consigo imaginar a alegria do marujo, no cesto da gávea, gritando "terra a vista" a plenos pulmões.

 

Mesmo hoje, quando a gente sabe que a terra está lá e até mais ou menos quando começará a vê-la, o alívio é indescritível. Porque, vamos combinar, enquanto não é possível ver, fica tudo na base da fé na ciência de tecnologia. OK. A ilha estará ali porque a carta náutica me diz que está na coordenada x e y e o GPS me diz que estou agora na coordenada z e w e a bússola me diz que sigo no rumo k graus, LOGO... Tudo bem. Também sou um homem da ciência e da razão, mas experimentem a angústia de horas no mar sem enxergar nada para ver se não dá uma pontinha de medo de tudo estar errado e da terra não estar realmente naquela direção. Olhar o horizonte e vê-la surgir na sua frente é não apenas confirmar sua competência como navegador, é provar que Galileu estava certo, que Newton estava certo e que Deus não está querendo lhe pregar uma peça. É renovar sua fé na ciência e na generosidade divinas a um só tempo. É indescritível!

 

Amei a experiência de, pela segunda vez, avistar terra, e, melhor, confirmar pelo binóculo que era a terra que eu esperava e que eu não tinha parado na Guatemala por engano!

 

(Chubb Cay, 22/04/2012)

Agora é oficial!

 

Cheguei a Chubb Cay, minha segunda ilha nas Bahamas, ontem no finalzinho da tarde (19:00), depois de um longuíssimo dia no mar. Depois do Bahamas Bank, mais ou menos bem comportado, atravessei um lugar chamado Canal Noroeste. Agora sim, mar de verdade,mais de seiscentos metros de profundidade. Em compensação, batendo pra caramba. As últimas duas horas antes de chegar a Chubb Cay foram desconfortáveis.

 

Ancorei na praia que fica ao lado da entrada do canal da Chubb Cay Marina (a única marina no lugar, e onde a Alfândega e Imigração dá entrada nos barcos). Aproveitando o restinho de luz, mergulhei na âncora, embora já estivesse bem frio. Acho que eu acharia esta vida fisicamente dura demais, se deixasse para começar daqui a dez anos!

 

Balancei um pouco à noite, com o vento sudeste forte. Amanheceu um dia cinzento, que não deixava dúvidas que viria chuva por aí. Eu ia ter de ficar por ali, para dar entrada oficialmente nas Bahamas. Achei que seria muito chato balançar na chuva a maior parte do dia. Contactei a marina pelo rádio, vi quanto era um slip (uma vaga amarrado no cais) e resolvi ir para lá. É sempre uma angústia ter de lidar sozinho com defensas e cabos de atracação ao mesmo tempo que timoneia o barco, mas no fim tudo acabou bem e o Bedouin paradinho na sua vaga, com muita ajuda do Tido, um negro gordinho e simpático que trabalha na marina.



Fui até o escritório da Marina me registrar e avisei que queria fazer a Imigração e Alfândega. A moça da marina (também uma negra gordinha) me deu um monte de formulários e disse que eu preenchesse e avisasse quando terminasse e eles viriam me buscar. Preenchidos os documentos, um rapaz, também negro mas desta vez não gordinho, me deu uma carona até uma casinha verde ao lado da pista de pouso da ilha. Lá, um oficial da Imigração, também negro, apenas conferiu os formulários contra o meu passaporte e documentos do barco e carimbou meu visto de entrada e me deu uma Permissão de Cruzeiro (cruising permit) e uma licença de pesca. A taxa é calculada de acordo com o tamanho do barco e me custou trezentos dólares.


Como o rapaz que tinha me trazido na vinda tinha sumido, resolvi voltar a pé (a marina fica a, no máximo, um quilômetro da Alfândega). Caminhei cinco minutos e um outro negro, desta vez num carrinho de golf, me ofereceu uma carona de volta. Não preciso dizer que a população das Bahamas é majoritariamente negra, né?

 

De volta à marina, baixei a bandeira de quarentena, toda amarela, que estava tremulando a bombordo desde Gun Cay e subi a bandeira das Bahamas, que agora enfeita o Bedouin ao lado da bandeira brasileira (vejam a foto).

 

(Chubb Cay, 21/04/2012)

Comments

Discussion closed
  • Luciana (Saturday, April 21 12 08:06 pm EDT)

    Estou fascinada!! Admiro a coragem de experimentar e realizar seu sonho!

  • Miguel Sauan (Saturday, April 21 12 09:49 pm EDT)

    E você se perguntou se teria leitores...? Claro que terá, Alexandre. Ou melhor, já tem. Sensacional esta decisão, caro beduíno. Melhor que isso, só se for um trote e você estiver escrevendo tudo
    tomando um chopps e comendo dois pastel na Paulista.

  • Carlos Alberto Silva (Saturday, April 21 12 11:13 pm EDT)

    Alexandre, Sou amigo da Dirce, não o conheço, mas parabéns pela coragem de realizar este sonho.Para nós brasileiros é muito gratificante ver a nossa bandeira tremulando em outros mares. Viaje com
    Deus e aproveite este mundão lindo.

  • Ana Carolina (Saturday, April 21 12 11:40 pm EDT)

    Poxa pai, vc só descobriu essa pulserinha agora?! Ela poderia ter me salvado daquela travessia do canal da mancha!!

  • marilza (Sunday, April 22 12 12:06 am EDT)

    nem estou acreditando que vc. está navegando por esse marzão.Aí tem muita água para vc. jogar meus livros. beijos. Boa sorte. te amo.

  • Claudia Cappelli (Sunday, April 22 12 10:04 am EDT)

    Sensacional!!! Se vai ter leitores??? Certamente!!! Trate de colocar muita notícia!!! Bjs.

  • Silvia Medeiros (Wednesday, May 02 12 12:32 am EDT)

    Somente hoje vi sua msg contando da realizaçao desse sonho. Ainda bem que os sonhos não envelhecem...Boa Sorte e fique com Deus! Super beijo, Silvia

Tirando todo o possível do Banco das Bahamas

 

Não. Não é uma crise no sistema financeiro local. É o Bedouin com todo o pano em cima, tirando leite de pedra do vento sudoeste e fazendo mais de sete nós rumo a leste no meio do Bahamas Bank, este mar estranhíssimo com apenas três metros de profundidade mesmo onde não existe nenhuma terra ao alcance dos olhos. Foi muito gostoso velejar, finalmente (a travessia de Key Biscayne para Gun Cay foi só motor), neste mar de água verde clarinha (dá para ver o fundo de areia) e com ondas razoavelmente comportadas. A velocidade não é nenhum estupor, mas lembremos que o Bedouin é um barco pesado, e que não é particularmente rápido velejando contra o vento, como era o caso. Pena que, pelo meio da tarde, o vento rondou para leste e passou a soprar direto no meu nariz. Para não perder tempo, baixei tudo menos a mestra e continuei no motor.

A propósito: se achasse que não seria possível chegar à Chubb Cay com luz do dia, a alternativa seria ancorar no meio do Bahamas Bank. O recomendado, então, é sair pelo menos duas milhas para norte ou sul do caminho mais movimentado (exatamente onde eu estava), ligar uma luz de ancoragem forte e rezar para não ser atropelado por um distraído. Não é uma perspectiva agradável, mas, pensa bem, em que outro lugar é possível ancorar no meio do mar?

 

(Chubb Cay, Bahamas, 21/12/2012)



Partida para Chubb Cay

 

Resolvi não dar entrada na Imigração em Cat Cay, a ilha bem ao lado de onde eu estava, porque o escritório deles fica numa marina privada, que cobra para atracar o barco para os procedimentos de check in no país. Eu agora sou um 'cost concious cruiser', expressão que outros, antes de mim, inventaram, para não serem chamados de pão-duros. O fato é que vou passar um tempo vivendo apenas das minhas economias, que não são infindáveis...

 

Bom: partida para Chubb Cay, outro "porto de entrada" das Bahamas amanhã cedo. Cedo mesmo, porque serão mais de setenta milhas náuticas sem nenhuma alternativa agradável de ancoragem pelo caminho.

 

No meio da tarde, me despedi de Honeymoon Bay e me mudei para o lado leste de Gun Cay, para facilitar minha partida no dia seguinte. "Stage your departure". Este é outro conselho de Bruce Van Saint, o homem que nunca perde um sundowner.

 

Estava preocupado com o risco de chegar à noite em Chubb Cay. Entrar no escuro em um atracadouro desconhecido é sempre um tremendo problema e coisa que gente muito mais experiente do que eu evita a todo custo. Para diminuir o risco, saí de Gun Cay as seis da manhã. Ainda estrava escuro, mas a saída era fácil e previamente estudada (stage your departure, lembram?).

 

(Chubb Cay, Bahamas, 20/12/2012)

Araquém, o Show Man

 

Houve, certa vez, uma campanha da Globo com um personagem que se chamava Araquém ("o Show Man"). Faz muito tempo (olha eu entregando a idade), começo da década de noventa, provavelmente.

 

Pois bem, quando entrei em Honeymoon Bay haviam dois barcos ancorados lá. Um iatão azul e um catamarã. O iate tem um nome que me lembrou do Araquém (bastava mudar uma letra para soar exatamente igual). Não, não vou dizer o nome do barco. Vai que alguém conhece... Parênteses rápido: quando estou com a Kátia num restaurante, por exemplo, contando uma estória qualquer do trabalho, nunca uso nome e sobrenome dos personagens e, quando é preciso dizer o nome todo para que ela identifique, praticamente sussurro. É paranóia, eu sei, mas já ouvi desconhecidos na ponte aérea conversando sobre pessoas que eu conhecia como se estivessem sozinhos. O mundo é pequeno, não é Carla?

 

Com o Araquém e o catamaram dentro da baía pequenininha, sobrou para mim o cantinho da direita. Larguei âncora ali. Mas fiquei com medo do vento virar, à noite, e me jogar contra as pedras. Coloquei uma segunda âncora no dingue e a deixei mais ou menos no meio da baía, com a outra ponta presa à popa do Bedouin, de modo a limitar o possível giro para a direita.

 

Mais para o fim da tarde, o catamaram foi embora. Eu, que não estava satisfeito com o esquema das duas âncoras, resolvi me mover mais para dentro da baía. Recolhe as duas âncoras, muda o barco de lugar, baixa âncora, mergulha para garantir que está firme. Uns quarenta minutos depois, a "faina de atracação", como a chamaria um marinheiro profissional, estava terminada.

 

O sol já estava baixo no horizonte. Desci, peguei uma cerveja gelada e sentei na popa, apreciando o por do sol. Já contei para vocês que num livro clássico sobre cruzeiro no Caribe, Bruce Van Sant lista, entre as recomendações para uma viagem tranquila: never miss a sundowner. Tenho tentado, Bruce, e até aqui tendo sucesso na maioria dos dias.

 

Quando a cerveja já tinha terminado e o sol já tinha desaparecido, a família do Araquém, que até então estava toda sentadinha num círculo de cadeiras na prainha resolveu voltar para o barco. Depois de fazer duas viagens de dingue para levar mulher e filhos, o dono do Araquém passou do lado do Bedouin, me cumprimentou e disse: "Sabe o que é, minha âncora está a frente da sua e meu barco tem um giro enorme. Ai onde você está, tá arriscado a eu atingir você, se o vento rodar".

 

Liguei o motor, subi a âncora, coloquei o máximo de distância possível do Araquém e desci a âncora novamente. O próprio gritou de lá: "Aí ainda posso atingir você". Só sobrava o cantinho da direita, junto às pedras, onde eu não teria coragem de ficar sem ter certeza que a âncora estava firme (e não havia mais luz para mergulhar na âncora).

 

Resultado: tive de sair da enseada e deitar âncora do lado de fora, onde sacudi de um lado para o outro a noite inteira.

Tudo bem, Show Man. Mas não dava para ter avisado antes?

 

(Gun Cay, Bahamas, 19/04/2012)



Honeymoon Bay

 

O lugar onde ancorei é uma enseadazinha. A boca da enseada no seu lado esquerdo tem uma prainha, que se prolonga até um promontório de areia, que por sua veze se liga a uma outra praia comprida, já fora da enseada, formando um ângulo de noventa graus. Do lado direito a entrada é formada por pedras, que continuam numa prainha ainda menor que a do lado esquerdo. O fundo da enseada é apenas uma fileira de recifes que a separam do mar aberto, do outro lado da ilha. Explicação difícil, né? Ainda bem que tirei fotos (imperdível!) que podem ser vistas aqui.

 

As fotos mostram que a água é transparente como a de uma piscina, e que assume diferente tons de azul ou verde, de acordo com a profundidade e o que existe no fundo (areia, vegetação ou coral). O conjunto é absolutamente lindo!

 

Logo que cheguei, mergulhei para garantir que a âncora tinha "unhado" direito e vi uma arraia cinza, quase embaixo do barco. Ela se foi embora quando me aproximei. Mais tarde um pouco, estava baixando o dingue e uma outra passou bem ao meu lado. Na manhã seguinte, assim que acordei de uma noite bem sacudida (leiam o post seguinte), subi a âncora, liguei o Bedouin e me enfiei na enseada de novo. Não ia passar mais nenhuma noite ali, mesmo e, de dia, se o vento rodasse eu teria tempo de mudar o barco de lugar. Quando me acomodei no novo lugar, uma terceira arraia passou ao lado do barco. Bem, pensei, com tantas arraias, tenho de tirar uma foto de alguma.

 

Logo depois do café da manhã, montei a câmera fotográfica dentro da caixa estanque, peguei máscara, nadadeira e snorkel e cai na água. Rodei de um lado para o outro quase uma hora e nada.

 

É comum se ouvir que, contrariando a má fama, "arraias são animais tímidos". Faz sentido... Não gostam de ser fotografadas. Só para não ficar com fama de mentiroso, consegui tirar uma fotinha, bem sem graça, de uma arraia que passou ao longe quando eu estava fazendo snorkelling.

 

(Gun Cay, Bahamas, 19/04/2012)

Terra a Vista!

 

Depois de quase nove horas no mar, muitas sem ver terra alguma, olho para frente e vejo um fiapo de cor e forma diferentes, na linha do horizonte. Olhando melhor, dava até para distinguir um "pitoquinho" na ponta direita de uma faixa de terra. O binóculo mostrava claramente uma ilhota baixa, com pouca vegetação e um farol baixo, listrado de vermelho e branco na ponta norte. Gun Cay, finalmente! Estamos chegando às Bahamas.

 

(Gun Cay, Bahamas, 19/04/2012)

Maldita Corrente do Golfo!

 

Mais ou menos a seis milhas de Key Biscayne entro na Corrente do Golfo, o Gulf Stream, que corre de sul para norte ao longo da costa dos Estados Unidos. Não dá para sentir, mas o GPS mostra: é como navegar dentro de um rio - toda a água está correndo para norte. A velocidade da corrente tipicamente varia entre dois e três e meio nós. É muita coisa!

 

Gun Cay fica quase na mesma latitude que Key Biscayne (na verdade, seis minutos ao sul), de modo que o curso a seguir, se não houvesse corrente, seria 92o verdadeiros (lembrando da Geografia da escola: 90o seria ir diretamente para leste). Pois para manter a mesma latitude eu tinha de apontar a proa para 137o, quarenta e sete graus só para compensar a corrente! É uma aporrinhação, porque se gasta um bocado de energia e tempo só brigando contra a corrente e a velocidade "efetiva", na direção do destino, é bem menor.

 

Chegou uma hora que a corrente era tão forte que estava apontando que eu só chegaria às seis da tarde, uma hora depois do previsto. Felizmente, ele diminui depois de algum tempo e meu atraso se reduziu a uma hora.

 

No mais, a travessia foi tranquila. O balanço incomoda bastante no começo e eu ensaiei um enjôo que passou com a pulseirinha mágica que dá choque no pulso (explico em outro post). Passei a maior parte do tempo reclinado no cockpit, ao lado do leme, ouvindo música. Cochilei mais de uma vez (depois de meio-dia, praticamente não vi mais tráfego). Comi um sanduíche. Descia, de vez em quando, para ter certeza que tudo estava bem lá embaixo. Marcava minha posição na carta, mais ou menos de hora em hora, para ter certeza que estava fazendo progressos e só.



(Gun Cay, Bahamas, 19/04/2012)

Navios por todo lado

 

Das sete às onze da manhã, devo ter visto bem uns doze navios (talvez mais). Havia ao menos um à vista praticamente todo o tempo. Todos num curso paralelo à costa. Alguns indo para sul, outros para norte. Todos cargueiros. Muitos porta-containers e alguns graneleiros.

 

Suponho que a maior parte deste movimento seja o tráfego de entrada e saída do porto de Miami.

 

De qualquer forma, mesmo com o piloto automático levando o barco, tenho de ficar de vigia o tempo todo.

 

(Gun Cay, Bahamas, 19/04/2012)

 

Fui!

 

Acordei as seis da manhã e ouvi a previsão no rádio: vendo de Leste, de 10 a 15 nós, ondas de três a cinco pés. Dá para encarar!

 

Fiz café, tomei uma xícara, e comi uma fatia de pão integral com queijo cremoso. Já não costumo comer muito no café da manhã. Ansioso como estava, então...

 

Levantei âncora as dez para as sete e saí de No Name Harbour, praticamente junto com dois outros veleiros. Até achei que eles fariam a travessia para as Bahamas também, mas, quando saímos do canal, eles viraram para sul, em direção às Keys da Flórida, e eu segui para leste. Previsão de chegada: cinco da tarde.



(Gun Cay, Bahamas, 19/04/2012)

Na concentração

 

Na terça-feira, 17/03, me despedi de Crandon Park. Lembrei de tirar e levar comigo o pendant que eu fiz para facilitar minha atracação, lembram? Também não esqueci a bicicleta no estacionamento - um pesadelo recorrente. Coloquei a bicicleta no dingue e içei-a a bordo usando a retranca da mezena e as mesmas roldanas que eu uso para içar o motor de popa do dingue.

 

Saí da marina no começo da tarde e motorei contra o vento até a ponta sul de Key Biscayne, para uma enseadazinha chamada No Name Harbour. A acreditar na previsão, partiria para as Bahamas na manhã seguinte, antes do nascer do sol.

 

Ancorei e, seguindo todas as recomendações, mergulhei para verificar se a âncora tinha "unhado" direito. A maioria das âncoras segura o barco enterrando-se no solo, mas, para isso, elas têm de cair na posição certa. Não deu outra, a âncora estava de lado. Ela acabaria virando e prendendo no solo, mas sabe lá o quanto o barco deslizaria para trás até isso acontecer...

 

Me ocupei com questões práticas para abaixar a (muita!) ansiedade: retirar o motor de popa do dingue, içá-lo a bordo e prendê-lo no púlpito de popa do Bedouin. Içar o dingue no suporte, protegê-lo com defensas e amarrá-lo bem para a travessia. Enrolar todos os cabos, prender tudo o que estava solto no convés. Instalar a bicicleta (dobrada) na cabine de proa. Fazer uns sanduíches para comer durante a o dia seguinte.

 

Comprei uma bandeira do Brasil na Bluewater, em Fort Lauderdale. Meu vínculo com o Brasil é a ligação que tenho com minhas origens, família e amigos e não sou dado a "patriotadas", mas meu barco é registrado nos Estados Unidos, tem "Boca Raton, FL" pintado na popa, como porto de origem, e nada, em sua aparência, diz que sou brasileiro. Como não tenho uma cordinha para içar bandeira a bombordo, único lugar onde posso içar uma bandeira que não seja nem do barco nem do lugar onde estou navegando, usei a adriça da vela-balão (adriça é qualquer cabo que serve para subir uma vela). Vou ter de tirar a bandeira quando usar o balão, mas não creio que terei vento de popa no próximo mês, pelo menos). Ficou bonitinha, a bandeirinha verde e amarela tremulando lá em cima.

 

Quando tudo acabou ainda tive tempo de dar uma nadada para relaxar e de tomar uma cerveja no convés, enquanto secava, vendo o por do sol.

 

(Gun Cay, Bahamas, 19/04/2012)