Os posts estão em order cronológica inversa
(todo mundo sabe que só em blogs "os últimos serão os primeiros")
A viagem começou!!!
Como finalmente zarpei, os posts agora estão sob a pasta "Ano 1: Bahamas e Caribe". Vocês podem ir para lá clicando neste link.
Não deixem de ver as fotos de Gun Cay, minha primeira parada nas Bahamas. Absolutamente imperdível!
Aberto para comentários
Atendendo uma sugestão da minha filha Ana Carolina, a partir de hoje os posts terão espaço aberto para comentários. Aproveitei e abri para comentários também os posts de ontem (13/04/2012). Vamos ver ser eu realmente tenho leitores...
(Key Biscayne, 14/04/2012)
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Parabéns Alexandre. Parei de ver um filme e estou vasculhando por aqui. Não exatamente pelo mar, mas a paixão pela aventura aproxima a sua realização de meus sonhos. Uma coisa quase infantil que aos
quase 50 cisma em não adormecer. Siga em frente pra não sentar um dia na cadeira de balanço e continuar imaginando como teria sido.
Grande abraço. -
coloque fotos, por favor!
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Tem leitores sim!!! Pelo menos eu, hahaha
Chegou a frente fria
Como previsto, a frente entrou esta noite e chegou rasgando. Sacudi a noite e choveu um bocado. Eu confesso que não acho desagradável, à noite. Eu acho o barulho da chuva e o balanço bons para dormir, mas a maioria das pessoas odeia uma "rolly anchorage".
Hoje o dia amanheceu nublado, ameaçando chuva e com vento muito forte (mais de trinta nós na rajada). Sem chance de fazer a travessia. A previsão só aponta condições boas lá para terça ou quarta da semana que vem.
Aproveitei a manhã chuvosa e fiz a navegação dos primeiros sete dias de travessias (podem ser mais, com as esperas por tempo bom). Abri as cartas e guias e tracei a rota de Miami para Gun Cay, Chub Cay, New Providence (Rose Island) e Highbourne Cay. A princípio, resolvi passar direto por Nassau. Já conheço a cidade. Mergulhei por lá há uns catorze anos. É um porto movimentado, e uma cidade razoavelmente grande, com os problemas de segurança típicos (vários casos de barcos furtados enquanto os donos estão fora, roubos de dingues e motores de popa, enquanto presos ao cais). Por enquanto, estou mais a fim de "ilha deserta com coqueiros, água cristalina e mergulho excepcional". Por isso, pretendo ancorar em Rose Island, na ponta leste de New Providence (a ilha onde fica Nassau). Peguei as coordenadas de todos os waypoints. O próximo passo e passar tudo para o GPS e deixar as rotas montadas.
Além disso, resolvi mergulhar e limpar o casco do Bedouin para ganhar alguma velocidade nas travessias. O problema é que o tempo não está nada convidativo para mergulhos...
(Key Biscayne, 14/04/2012)
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Alexandre, parabéns por tudo. O site está fantástico. Que tudo dê certo nessa sua aventura que é viver o sonho de viver. Forte abraço.
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Alexandre, você ganhou mais uma leitora. Estou assustada e encantada! Parabéns pela coragem de realizar o seu sonho, parabéns pela família amorosa e que o apoiou, imagino que seria muito difícil sem
o apoio delas. E boa sorte!! Partilho com você a mesma paixão pelo mar, mas, como taurina que sou, prefiro vivê-lo até onde os meus pés possam tocar. Conceber a ideia de estar, literalmente só, numa
imensidão sem fim, sem contar os habitantes naturais...nossa, mais uma vez, parabéns pela coragem!
Bom, já que o desejo de boa sorte sai da Bahia, vou recorrer ao lúdico e sagrado, de uma das representações de fé que temos aqui e desejar que Iemanjá proteja sua jornada e segure as ondas mais
fortes, para que você e o seu Bedouin tenham a melhor trajetória possível. Paz e harmonia para você e sua família!
Checking out
Peguei a bicicleta, pedalei até o porto de Miami e procurei o escritório da imigração (que agora se chama Customs and Border Protection). Tinha feito uma consulta formal a eles, por email, sobre como proceder na minha partida para registrar formalmente a saída minha e do barco. A resposta foi que o barco não precisa nenhuma formalidade de saída, uma vez que é registrado nos Estados Unidos, mas que eu deveria procurar o escritório da Imigração no porto de Miami para comunicar que estava indo embora e entregar aquela papeleta branca que fica dentro do seu passaporte até a partida e que a funcionário do checkin da companhia aérea retira (ou as vezes, a última pessoa que verifica seu cartão de embarque, já na porta do finger).
Expliquei a situação para o oficial de plantão e ele me disse que não é mais necessário dar a saída pessoalmente no caso de partida por barco particular, dada a dificuldade de precisar quando se vai embora. Ele anotou um endereço num papelzinho, passou-o para mim e disse: "Tudo que você precisa fazer é mandar este canhoto branco pelo Correio para nós, neste endereço, assim que você puder. Pode mandar das Bahamas ou de onde você estiver".
Se é assim, melhor. Estava um pouco desconfortável de informar minha saída e ser obrigado a ficar não sei mais quantos dias nos Estados Unidos aguardando uma janela de tempo favorável. Por outro lado, não poder aproveitar uma virada de tempo boa porque não tinha dado saída ainda seria lamentável.
Agora só preciso esperar o vento virar para o quadrante Sul e torcer para que ver uma raia chita antes da partida seja mesmo um bom agouro.
(Miami, 13/04/2012)
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Reflexões Filosóficas, ou, As Raias do Absurdo
Hoje, vindo de bicicleta para o centro de Miami, vi uma raia chita (uma "spotted eagle ray" - o nome em inglês faz mais justiça ao belo animal, não?) do alto da ponte que liga Virgina Key a Key Biscayne. Ela nadava em círculos, daquele jeito que parece estar voando, como as arraias costumam fazer. Parei em cima da ponte e fiquei uns cinco minutos apreciando.
Pensei: "Nunca me aconteceu isso. É um sinal de boa sorte, agora que estou pronto para partir". E imediatamente, pensei também: "Nem bem comecei minha vida de marinheiro e já estou ficando supersticioso".
Todo mundo sabe que os marinheiros são supersticiosos. Por que será? Era isso que eu pensava enquanto pedalava em direção a Miami. Estes longos passeios a pé ou de bicicleta estão me transformando num filósofo amador.
Superstição está ligada ao pensamento mágico: a crença de que é possível "ler" as intenções da natureza e de que nossos atos têm alguma influência sobre elas. Assim, para um tupinambá se o urutu piou na mata é um mau agouro e é melhor não sair para caçar ou se nós dançarmos de um determinado modo a chuva virá.
O índio depende da natureza para a sua vida cotidiana muito mais intensamente que o homem urbano. Vivendo em São Paulo, a chuva ou o vento têm pouquíssima importância para mim ("Como?", dirão meus amigos,"e o engarrafamento que a chuva provoca???" - tá bom! foi um mau exemplo, mas vocês entenderam meu argumento...). De qualquer modo, todo o transtorno que uma seca prolongada ou uma maré excepcionalmente alta causem na minha vida não se compara ao provocado na vida do semi-selvagem habitante de uma pequena ilha do Pacífico.
Assim como acontece com os índios, a sorte de quem vive do mar é extremamente dependente do humor dos elementos. Os ventos, as correntes, os sistemas de baixa e alta pressão, as marés, fazem não só a diferença entre um produtivo dia de trabalho e um dia perdido, mas, às vezes, entre vida e morte. É natural que se deseje ter algum controle sobre estas coisas.
Então, vamos combinar, ver uma raia chita antes da partida traz boa viagem!
(Miami, 13/04/2012)
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Mais uma lista dos "Dez mais..."
Artur Xexéo, colunista do segundo caderno do Globo, diz que quando falta assunto para sua coluna, apela para uma lista ("as dez melhores coisas deste verão", "as dez piores", etc.). Se ele, que vive disso, pode, por que não eu?
Hoje o mecânico consertou o retentor da hélice e eu estou livre para partir. Estou doido para ir embora, mas admito que vou sentir saudade desta minha estadia aqui. Aproveitando a deixa, seguem as "Dez coisas de que vou sentir falta, quando partir de Key Biscayne":
1) A musiquinha do furgão que vende sorvete na praia em Virginia Key - versão local da "musiquinha do gás" de São Paulo (mas não é o Pour Elise!)
2) A comida do China Garden - boa e barata - e a garçonete chinesa que levava o cardápio para mim e perguntava: "Diet coke?" (será que eu ia muito lá?)
3) O pão francês do Win Dixxie
4) A vista de Miami, à noite (o skyline iluminado da Brickell)
5) A vista de Miami, de dia (o sol chapado contra os prédios da Brickell)
6) A ciclovia (em São Paulo seria chamada "ciclofaixa" - não há separação física entre os carros e bicicletas, só a pintura no chão)
7) O ar-condicionado, as poltronas confortáveis e as tomadas (!) do Starbucks - para fugir do calor e carregar as baterias de notebook, celulares, ipad, etc.
8) O iced tall unsweetened black tea do Starbucks. Nunca soube ao certo em que ordem colocar estes quatro adjetivos para qualificar de modo gramaticalmente correto o meu chá, mas ele continua ultra-refrescante não importa a sequência que eu use.
9) Os passeios no Crandon Park
10) Os passeios no Bill Baggs Park (que privilégio viver em uma ilha pequena, literalmente ensanduichado entre dois parques!).
(Miami, 13/04/2012)
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O tempo e o vento
O tempo está fechando (vem chuva por aí) e o vento está soprando de nordeste, o que significa que dificilmente conseguirei partir amanhã (ou, acreditando na previsão, depois de amanhã). Agora que nada mais me prende, estou louco para ir embora.
(Miami, 13/04/2012)
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As bandeiras de cortesia
Como funciona quando se entra num país de veleiro? Como fica o visto, alfândega, etc.?
Bem, se o país exige visto para brasileiro e português (tenho as duas nacionalidades), é preciso pedir o visto antes, em uma representação diplomática qualquer (um consulado ou embaixada). Felizmente, isso não acontece com nenhum dos países que visitarei este ano.
Quando não há necessidade de visto o processo é assim:
- Deve-se entrar num país novo em um dos "portos de entrada" oficiais (ports of entry): os portos que têm autoridades de alfândega, imigração, e muitas vezes também da agricultura/vigilância sanitária, com poderes para autorizar a entrada de estrangeiros.
- Ao ancorar no novo porto, hasteia-se a bandeira de quarentena (uma bandeira toda amarela) a boreste (lado direito do barco) e tenta-se contato com as autoridades portuárias no canal 16 do rádio VHF
- Tendo ou não conseguido contato, aguarda-se a visita das autoridades (que, muitas vezes, vão até você de barco). Eles vistoriam seu barco e aplicam a legislação local quanto à entrada de armas de fogo, bebidas, etc. Se eles foram até seu barco, lá mesmo carimbam seu passaporte e emitem uma permissão para navegar nas águas territoriais do país (cruising permit) por um período limitado (digamos: três meses)
- Se você não conseguiu contato e ninguém foi até o seu barco, o capitão (e somente ele - o que não faz diferença no meu caso) vai a terra levando toda a documentação da embarcação e tripulação e procura as autoridades de imigração e alfândega
- Qualquer que tenha sido o procedimento, uma vez que a sua estadia no país está legalizada (passaporte carimbado, cruising permit emitido), a bandeira de quarentena deve ser baixada e, em seu lugar, içada a bandeira do país sendo visitado. Esta bandeira do país, que deve ser mantida içada a boreste durante a sua permanência, é a tal "bandeira de cortesia". Começou apenas como uma tradição, mas hoje é exigida em muitos países. Se você já não tiver a bandeira, fica obrigado a comprá-la das próprias autoridades locais, ao preço que estas cobrarem. Daí porque eu tenho dezenas de bandeiras guardadas, uma para cada país na minha lista!
(Key Biscayne, 12/04/2012)
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Balanço
Está chegando a hora da partida. O mecânico vem amanhã de manhã consertar o retentor da hélice e, a partir daí, fico por conta do tempo. Pela previsão, não parece que terei uma janela adequada no fim de semana, então, a princípio, o começo da semana que vem é mais provável como data de partida.
De qualquer forma, já dá para fazer um balanço da minha estadia na Florida, bem mais longa do que eu gostaria, e descobrir que, na verdade, fiz bastante coisa:
1) Comprei e instalei um som novo no Bedouin, para poder ouvir as músicas guardadas no iphone
2) Comprei um telefone por satélite e instalei eu mesmo a antena externa
3) Instalei o piloto automático
4) Puxei o controle do guincho da âncora para o pedestal da roda de leme
5) Coloquei travas nas portas e gavetas, para não abrirem sozinhas no mar batido
6) Troquei o estofamento do salão, instalei as novas cortinas, pintei o móvel
7) Envernizei as gavetas e portas de armário da cozinha
8) Aproveitando que saiu a documentação definitiva, escrevi o nr. de registro do barco no casco (com letras adesivas) e troquei o home port que estava escrito na popa (de Milford, CT para Boca Raton, FL)
9) Mandei fazer um carimbo do barco, com nome e nr, de registro, para tornar "oficial" qualquer documento produzido por mim para as autoridades estrangeiras
10) Fiz um cartão de visitas com meu nome, o logo do Bedouin e endereços e emails
11) Consertei a yankee que estava içada no estai de proa e troquei por um jib maior que estava guardado
12) Comprei ferramentas (montes delas - são absurdamente baratas nos Estados Unidos) para o Bedouin
13) Comprei as cartas náuticas e os cruising guides na Bluewater, uma livraria maravilhosa em Ft Lauderdale
14) Comprei o mast climber - uma geringonça que parece uma mistura de cadeira de Bosun e equipamento de alpinista que me permitirá subir à ponta do mastro sozinho
15) Comprei um equipamento de pesca completo e instalei um suporte para molinete na popa
16) Comprei uma arma de ar-comprimido para caça submarina
17) Instalei um filtro de água! (como me deu trabalho...)
18) Mudei de lugar o suporte do rádio VHF do cockpit, para ficar ao alcance da minha mão quando estou no leme
19) Comprei a bicicleta! (nenhuma das minhas compras foi tão intensamente utilizada)
20) Comprei e registrei o EPIRB
21) Comprei as bandeiras de cortesia para todos os países que visitarei este ano
22) Comprei as peças e montei, eu mesmo, um amplificador de wifi que, içado no mastro da mezena, me permite captar um sinal de wifi a um quilômetro de distância (pena que o Starbucks fica mais longe que isso...)
23) Fiz um pendant para a poita que foi extremamente útil aqui e, acredito, ainda vai ser muito usado
24) Coloquei no ar o website
Considerando que, neste intervalo de tempo, minha mãe teve um AVC e teve de ser operada aqui em Miami e que, além das coisas acima ainda comprei utensílios de cozinha, comida, produtos de limpeza e higiene pessoal e primeiros socorros, dá pra dizer que minha estadia aqui foi longa mas intensa.
(Key Biscayne, 12/04/2012)
Cheguei às Bermudas!
Amarrei o dingue na ponta do cais e abri meu caminho entre as barraquinhas vendendo camisetas para turistas, o policial negro, de bermuda cáqui, os marinheiros com uniforme impecável de navio de cruzeiro, as turistas americanas arrastando as malas de rodinha, as lambretas estacionadas ao longo da calçada e o Rols Royce de presidente da república das bananas. Os mastros em frente ao grande prédio amarelo, junto ao cais, exibiam bandeiras de dezenas de países. Bem em frente, uma faixa saudava os turistas: "Bem vindos às Bermudas".
Ué?? Bermudas?? As Bermudas nem estão no meu roteiro, muito ao norte para quem vai da Florida para o Caribe. No entanto, acordei nas Bermudas! Falsas, claro.
Saí do barco, hoje pela manhã, e caí num set de filmagens. Uma equipe de televisão se preparava para gravar e tinham transformado a marina no porto das Bermudas, com toda a caracterização e mais as gruas, câmeras, refletores, rebatedores de luz. A marina nunca viu tanto movimento!
EPIRB
Desde que cheguei aqui, tenho comprado uns brinquedinhos eletrônicos para equipar o barco para a viagem. Este é o mais recente e espero que, por um bom tempo, o último. É um EPIRB (emergency position-indicating radio beacon). É uma daquelas coisas que a gente compra torcendo para nunca precisar usar, como seguro de vida ou desentupidor de privada.
Um EPIRB é um aparelho que só é acionado numa emergência de verdade, tipicamente quando se está abandonando o barco e rezando para o resgate chegar logo. O que ele faz é isso: chama o resgate e o ajuda a localizar você. Cada EPIRB tem um número exclusivo - uma assinatura. Quando a gente compra um, deve entrar num site e registrá-lo. Neste site, eu informei que este EPIRB pertence a mim, que está instalado no Bedouin e passei minhas informações pessoais e as do barco. Se um dia ele for acionado, passa a emitir um pedido de socorro (um distress code) por rádio - e continua emitindo até ser desligado ou a bateria acabar! Este pedido de socorro é captado por uma rede de satélites internacional (Cospar-Sarsat). O satélite, então, retransmite o pedido de socorro para as autoridades de Resgate e Salvamento do mundo. O resgate mais próximo é acionado sabendo o que e onde procurar.
A rede de satélites Cospar-Sarsat foi implementada em 1982 e, desde então, foi acionado em mais de sete mil emergências, salvando a vida de quase trinta mil pessoas. Se tudo der certo, eu nunca serei um número nesta estatística e a única finalidade deste trambolho verde será enfeiar o salão do Bedouin. Antes que perguntem: não precisaria estar aí, bem ao lado da cortina que me deu trabalho de fazer, mas tentem achar um lugar num barco que seja de muito fácil acesso numa emergência e, ao mesmo tempo, não se viva esbarrando nele!
(Key Biscayne, 9/04/2012)
Simpatia é quase amor
Ainda não tenho com ela a mesma intimidade que o João Ubaldo Ribeiro com Itaparica, mas estou quase chegando lá. João Ubaldo mora no Leblon há décadas, mas nasceu e se criou na ilha baiana. Os habitantes de Itaparica, nos seus contos, se referem ao lugar apenas como "a ilha", como se o mundo todo não pudesse deixar de saber de que ilha se trata.
Hoje descobri que os moradores de Key Biscayne também falam dela simplesmente como "a ilha". Cheguei cedo no supermercado, que vende um pão francês bem gostoso, e consegui convencer a senhora do café a me servir um café com leite e pão com manteiga (o café com leite está no cardápio, o pão com manteiga não, embora exista a torrada de pão de forma - no final ela me cobrou apenas o pão - a manteiga e a chapa saíram de graça). Ao meu lado, dois locais que não se viam há tempo, colocavam a conversa em dia. Um contava ao outro que tinha se mudado "da ilha" porque a mulher foi trabalhar na Universidade da Flórida, mas que, desde o final do ano passado, tinham voltado "à ilha".
Depois de um mês perambulando por aqui, a pé ou de bicicleta, já conheço todos os cantinhos e confesso uma enorme simpatia pelo lugar. É bom eu conseguir logo um mecânico para consertar o retentor do hélice e poder levantar âncora. Logo, logo, estou chamando Key Biscayne de "a ilha".
(Key Biscayne, em breve "a ilha", 8/04/2012)
Domingo no Parque
O nome é Bill Baggs Cape Florida State Park, mas a visão lembra, muitas vezes, o Ibirapuera ou a Quinta da Boa Vista. As mesmas famílias aproveitando o domingo de Páscoa ensolarado, esquecendo saudavelmente os pudores cotidianos, seja nos maiôs das senhoras que expõe gordurinhas escondidas durante a semana ou no farnel comido ao ar livre (que aqui não parece ter frango com farofa, mas não fica atrás do nosso). Aproveito, eu também, o domingo (embora, até certo ponto, todos os dias sejam domingos para mim).
Na ponta sul do parque fica a enseadinha da foto. O nome é No Name Harbour, o porto sem nome. É um trampolim para muitos que vão fazer a travessia para as Bahamas e ancoram aqui à noite para poupar tempo na partida (a enseada fica praticamente em frente ao Cape Florida Channel, uma das saídas de Biscayne Bay para o mar). É o que eu pretendo fazer daqui a umas poucas noites, espero. Numa noite de semana, talvez um ou dois barcos ancorem aqui, aguardando a partida ao nascer do sol do dia seguinte. No domingo de Páscoa, porém, a enseada está cheia. Muita gente veio de barco, aproveitar o dia. Um restaurante na beira do cais distribui cardápios aos barcos atracados e um garçom percorre o deque de cimento, tirando os pedidos. As crianças correm, falam alto, mergulham dos barcos, com suas boinhas de braço coloridas. Os pais já não têm tanta disposição, depois de toda a comida e cerveja. Uns tomam sol, outros dormem ao sol! Só uma coisa me faz ter certeza que não estou no Brasil: não vi um único ovo de Páscoa!
Será que só no Brasil coelho põe ovo?
(Key Biscayne, 8/04/2012)
Telefone por Satélite
Como contei outro dia, comprei um telefone por satélite. Escolhi o último modelo do Iridium, que acabou de ser lançado. Existem só três ou quatro operadores de telefonia por satélite no mercado. Iridium, se não me engao, foi a primeira, e ainda tem fama de ter a melhor cobertura.
Os telefones por satélite só funcionam ao ar livre (a antena deve ter "clara visão do céu" - é o que diz o manual, embora eu custe a crer que minha antena tenha mesmo o sentido da visão...). Para operá-lo dentro do barco, é preciso instalar uma antena externa e uma dock station.
As ligações ainda são bem caras (cerca de um dólar o minuto). Em compensação ele não depende de nenhuma operadora local de telefonia e funciona em qualquer país
e mesmo em alto-mar.
Resolvi instalar a antena externa eu mesmo, ao invés de contratar a instalação. Deu muuuuuuuito mais trabalho do que parece. A foto ao lado mostra a antena, que eu fixei na ponta do suporte do dingue (ele fica "pendurado" neste suporte na popa, nas travessias curtas). O cabo preto, visível na foto, é o cabo da antena. O problema foi levá-lo para dentro do barco, onde está instalada a dock station do telefone, sem que ele corresse pelo chão do convés onde, por melhor que fosse preso, eu ia acabar tropeçando. Desci o cabo ao longo do suporte do dingue, fixando-o a cada vinte centímetros, mais ou menos. Passei o cabo por dentro de um "respiro" de um armário de popa (que se chama lazarette aqui e, se não me engao no Brasil seria um "paiol de popa"). Eu sei que existe uma passagem do lazarette para o resto do barco, porque por dentro dele correm duas mangueiras, uma de água doce e outra de água salgada, que permitem instalar uma mangueira na popa do barco e tomar banho do lado de fora ou lavar o convés. O problema é que, para achar essa passagem e passar o cabo da antena através dele eu tive de tirar tudo o que estava dentro do lazarette: uma âncora reserva, uns trinta metros de corrente de âncora, cabos diversos para atracação e ancoragem, uma bomba manual para encher o dingue (que é inflável, lembram?), um jogo de roldanas que serve para içar o motor de popa do dingue à bordo e montá-lo num suporte próprio, um cabo elétrico reserva, usado para ligar o barco à luz das marinas, uma bomba de porão manual, uma âncora para o dingue, com o respectivo cabo, duas mangueiras. Enfim, uma tralha inacreditável teve de sair de dentro deste "armário" (que é como um "porão" sob o convés da popa, acessado por uma porta no próprio deck) e voltar, novamente, depois que eu consegui passar o cabo. O bom é que agora eu sei tudo o que está lá!
(Key Biscayne, 6/04/2012)
Depois ainda falam dos portugueses...
Todo mundo já ouviu a estória de que os portugueses dão informação assim: "Você segue por esta rua e vai ver uma bifurcação com um estradinha de terra à direita. Não é essa. Vá pelo outro lado até uma saída a esquerda com uma placa onde está escrito "Trás-os-Montes". Não vire nessa saída." ... e por aí segue.
Essa lógica negativa, em que a se diz o que não é antes de dizer o que é e se listam as exceções sem que esteja claro qual é a regra é o que norteia o boletim "Offshore Forecast", produzido pelo National Weather System, que todos dizem ser a única informação confiável sobre o mar nessa região onde vou começar a viagem.
Ouço o boletim no rádio, as 6:00 e tento tomar nota do que é relevante para mim. É praticamente impossível! O negócio é apresentado de forma tão confusa que eu só descubro se a informação refere-se ou não às latitudes e longitudes que me interessam depois que a informação é dada, de modo que eu escrevo e rabisco e escrevo e rabisco e no fim não tenho a menor idéia se eu anotei certo a direção e intensidade do vento e a altura das ondas. Reproduzo aqui só um trechinho da transcrição do boletim de hoje (eles publicam na internet). Desafio vocês: o que me interessa é o trecho que vai do paralelo 24o N ao paralelo 26 o N, do meridiano 79 o W ao 80 o W. Tentem identificar o que se aplica a esse trecho. Se lendo já é difícil, imaginem ouvindo uma voz monocórdica recitar esse texto:
THIS AFTERNOON AND TONIGHT
N OF 27N E OF 71W NW TO N WINDS 20
TO 25 KT DIMINISHING TO 10 TO 15 KT TONIGHT. SEAS 10 TO 17 FT IN
NW SWELL SUBSIDING TO 9 TO 13 FT TONIGHT. N OF 27N BETWEEN 71W
AND 75W N TO NE WINDS 10 TO 15 KT BECOMING VARIABLE 5 TO 10 KT
TONIGHT. SEAS 7 TO 10 FT IN N SWELL SUBSIDING TO 6 TO 9 FT
TONIGHT. N OF 27N W OF 75W E TO SE WINDS 10 TO 15 KT SHIFTING TO
S TO SW TONIGHT. SEAS 4 TO 6 FT IN NE SWELL...EXCEPT 2 TO 4 FT W
OF 78W. S OF 27N E OF BAHAMAS NW TO N WINDS 10 TO 15 KT SHIFTING
NE TO E TONIGHT. SEAS 3 TO 6 FT BUILDING TO 8 TO 11 FT IN NW
SWELL N OF 24N E OF 72 TONIGHT. S OF 27N W OF BAHAMAS E TO SE
WINDS 5 TO 10 KT INCREASING TO 10 TO 15 KT TONIGHT. SEAS 1 TO 3
FT.
WED AND WED NIGHT
N OF 27N E OF 70W W TO NW WINDS 10 KT
BECOMING SW 15 TO 20 KT WED NIGHT. SEAS 8 TO 12 FT IN N SWELL
SUBSIDING TO 7 TO 9 FT WED NIGHT. N OF 27N W OF 70W SW WINDS 10
TO 15 KT INCREASING TO 15 TO 20 KT WED NIGHT. SEAS 5 TO 8 FT IN
NE SWELL EXCEPT 3 TO 5 FT W OF 75W. S OF 27N E OF BAHAMAS NE TO
E WINDS 10 TO 15 KT SHIFTING TO SE TO S WED NIGHT. SEAS 7 TO 10
FT IN N SWELL E OF 70W AND 5 TO 8 FT W OF 70W. S OF 27N W OF
BAHAMAS E TO SE WINDS 10 TO 15 KT BECOMING SE 5 TO 10 KT WED
NIGHT. SEAS 1 TO 3 FT.
É de matar, não é não???? Depois não vão botar a culpa em mim se eu sair bem na véspera da entrada do furacão!
(Key Biscayne, 3/04/2012)
Últimos preparativos
Estou no meio de um dia frenético, em meio aos últimos preparativos. Aluguei um carro, novamente, para conseguir fazer o que está faltando.
Acordei cedo e levei a vela descosturada para ser consertada na UK Sailmakers, no sul de Miami (dever ser Coral Gables, ali, mas não tenho certeza). Fica pronta na quarta-feira.
Depois, fui até uma loja perto do aeroporto comprar o telefone por satélite (um Iridium - mais informações em um próximo post). Na sequência, dirigi até Fort Lauderdale, onde estou almoçando agora, ao lado da Bluewater, uma livraria maravilhosa que só vende cartas náuticas e livros especializados. Preciso comprar os últimos "pilot books" para o Caribe: livros com os detalhes das ancoragens, travessias, marinas, oficinas e tudo mais que um cruzeirista pode ter interesse em saber.
Hoje ainda pretendo fazer compras de supermercado. A idéia e encher o barco de comida - tudo o que não for perecível, claro - para não precisar voltar às compras tão cedo.
(Fort Lauderdale, 02/04/2012)
Marina's college essay
Agora que o processo de seleção das escolas para as quais a Marina estava concorrendo terminou, posso publicar a redação que ela escreveu (college essay) como parte do que ela precisa produzir para se candidatar:
Odissey
I am named after the sea, a fascination my father and I have always shared. For us, breathing in the maresia and watching the ocean means stealing away minutes of calm from a frenetic life. Even when I was small and my worries and responsibilities were proportional to my size, the vastness of the water gave me a feeling of freedom and endless possibility that I loved, a feeling that my father, my partner in sea-watching, has made tangible.
Months ago, he announced he would leave in February to sail the world alone for two years, maybe three. Shock – that was my first reaction. Can you do that? I thought. Are people allowed to quit their job and sail? I smiled and nodded, but I wasn’t listening. I felt shattered, confused. Most of all, I felt abandoned. How unhappy do you have to be to leave everything behind? I knew he was. Unhappy, I mean. His passion, his curiosity, his imagination never fit within the walls of an office and the time frame of a 9-to-5 job.
When I was little, my father tucked me into bed each night and told me adventure stories. Around the World in 80 Days, Treasure Island, Robinson Crusoe. Though he had read them in his adolescence, he recited them from memory. I was five or six, and in the darkness of my room, the sparkle in his eyes and electricity in his voice enraptured me in tales of exotic lands, of struggle, of glory and triumph.
His favorite was The Odyssey.
As I watched the Mediterranean this summer, the sea that Odysseus sailed and my father will travel, I remembered his stories for the first time in many years, and I understood that the spark in his eyes when he speaks of his journey is the same as when he spoke of every hero's journey. He will not battle the Cyclops or face Scylla, but to embark on this expedition, he faced seemingly invincible monsters: his fears, his sense of duty, his feeling that it's too late to start over. More than unhappiness, I realize now, it takes courage. To conquer the sea, he has conquered his own life.
When my father was my storyteller, he was my ultimate hero. "I was named 'Alexandre' after Alexander the Great," he joked, and I believed him, believed he was as great as the Macedonian. I am now seventeen, and I would like to think that all illusions of my father's perfection have long gone. Yet despite the flaws I now see in him, and he is my hero again, no longer just on principle, but for pushing my realm of possibilities, for teaching me to dream and dare more than I thought I was allowed to.
“I was inspired by the poem ‘Invictus’”, he told me, and quoted: “I am the master of my fate: I am the captain of my soul.” (*) As I prepare to leave my own safe port to navigate the unclear and unchartered waters of college life in another country, I too carry these words as my compass.
(*) from the poem Invictus, by William Ernest Heinley
Ensaio Geral
Aproveitando que as condições de vento e mar hoje seriam adequadas para a travessia, fiz um "ensaio" do que será minha partida para Gun Cay, nas Bahamas, a primeira perna da viagem. Saí de Crandon Park e fui até No Name Harbour, a enseada perto da ponta sul de Key Biscayne onde vou ancorar na última noite antes da partida. Saí de lá no motor e peguei o canal para o oceano (Florida Channel). Gastei meia hora até o sinalizador vermelho marcado com o número 2, o último para quem vai para o mar.
Já fora do canal, aproei em direção ao vento (sul/sudoeste, treze a dezenove nós), subi a vela mestra, desenrolei a headsail e coloquei o piloto automático para seguir o waypoint de Gun Cay. Andei assim pouco menos de uma hora (a travessia toda deve demorar umas nove). Com o mar mais grosso, o máximo que consegui fazer foram seis nós. Balança um bocado. Deu pra ver que vou precisar colocar prendedores em todas as gavetas e portas (várias delas abriram). A boa notícia é que o mar vai ficando de um azul cada vez mais bonito, a medida que a gente se afasta da costa (vejam a foto). Vou balançar por nove horas, mas a vista vai ser estupenda!
(Key Biscayne, 31/03/2012)
Bedouin tem vela nova
A headsail, a vela içada no estai de proa do Bedouin desde que cheguei aqui começou a descosturar na bainha. A headsail fica permanentemente içada, porque o barco tem um sistema, bastante comum hoje em dia, em que a vela é enrolada sobre si mesma quando não está em uso. No Brasil a gente chama de "enrolador de genoa". Em inglês é um furling system. É a única das quatro velas que tem isso. As outras precisam ser içadas e baixadas a cada vez.
O Bedouin tem dois banheiros sendo que o da frente virou depósito. Entre as coisas guardadas lá existem umas velas extras. Uma eu lembrava que era um spinnaker, uma vela-balão, que eu até já usei. Eu tinha a vaga impressão que havia também uma headsail. Fui verificar e era mesmo.
Resultado: baixei a vela descosturada, dobrei como pude e enfiei no saco da outra, para levá-la para ser consertada. Cortei um dobrado para içar a vela nova. A testa desta vela corre dentro de um trilho preso no estai de proa, e a adriça, o cabo que iça a vela, desce junto ao mastro. Num barco com tripulação, este trabalho é feito por até quatro pessoas: uma ou duas ficam na proa, garantindo que a testa está entrando no trilho enquanto outras duas içam a vela. Tive de fazer tudo sozinho. Até a metade, mais ou menos, ainda consegui passar a adriça por uma roldana junto ao mastro e levá-la para a proa, de onde eu içava com a mão direita e enfiava a vela no trilho com a esquerda. Depois que metade da vela já estava em cima, ficou pesada de mais para içar na mão, e tive de usar uma catraca. Já não dava mais para fazer as duas coisas ao mesmo tempo. A partir daí, foi como o macaquinho namorando a girafa: uma corridinha até a proa para ajeitar a testa no trilho, uma corridinha até o mastro para içar trinta centímetros de vela.
A trabalheira valeu a pena. A vela nova é muito bonita, com uma bainha azul, e é maior que a que estava montada antes (a anterior é um jib de corte alto, que aqui eles chamam de yankee). Sai para velejar hoje e tirei uma foto para vocês verem a "belezura".
(Key Biscayne, 31/03/2012)
Não consigo enjoar do entardecer em Crandon Park Marina
Em um clássico absoluto do cruzeiro a vela pelo caribe, The Gentleman's Guide to Passages South, Bruce Van Sant lista, entre as recomendações para fazer o caminho mais seguro e tranquilo: "Never miss a sundowner". Um sundowner é um drinque que se toma após o dia de trabalho, ao por do sol. O que ele quer dizer é que se deve planejar as passagens entre as ilhas de modo a garantir a chegada no novo porto ainda na luz do dia. Assim, é possível, já ancorado e seguro, tomar um drinque ao por do sol.
Toda vez que estou "em casa" no por do sol, pego uma cerveja na geladeira, sento no cockpit e me deixo invadir pela maravilhosa convicção de que estar vivo é muito bom!
(Key Biscayne, 30/03/2012)
Mas Marina está preparada para ir morar sozinha no exterior?
Foi o que minha mãe me perguntou, ontem no hospital. "Claro que não!".
Um casal de namorados que resolve casar está preparado para o casamento? E quando decidem ter o primeiro filho, estão preparados para serem pais? Eu estou preparado para cruzar um oceano de veleiro? A resposta é "Não" para todas as perguntas.
A gente aprende a viver, vivendo. O talento é fazer isso correndo os menores riscos e tentando assegurar que os erros que por certo vamos cometer tenham as consequencias menos sérias possíveis.
(Key Biscayne, 30/03/2012)
Marina foi aceita em Yale, Columbia, Brown, Williams College,
Emory, Occidental College, Connecticut College, Pomona. Oito escolas excelentes, pelo menos quatro absolutamente extra-classe. É muito difícil explicar como estou feliz.
A característica mais visível na Marina é a doçura. É meiga, carinhosa comigo e com a mãe dela, assim como é carinhosa com os amigos. Tem carinha e jeito de menina - nem parece ter os dezoito anos que tem. O sorriso meio timido e o jeitinho delicado podem passar a impressão de fragilidade. Engano...
Marina é uma menina corajosa. Não posso esquecer dela com sete anos, indo para a escola em Cingapura. Enquanto alguns coleguinhas choravam porque estavam indo para uma escola nova, onde não conheciam ninguém, my brave little girl ia para a sala de aula de peito aberto, olhos curiosos, mesmo sabendo que ninguém lá entendia o que ela dizia. Sempre foi assim. Uma desbravadora.
Logo ela estará saindo de casa para estudar sozinha, em outro país. Talvez vá com o coração apertado. Mas vai. Vai com os mesmos olhos cheios de esperança e curiosidade pelo mundo. Com a mesma incrível coragem que sua aparência frágil esconde, mas que suas escolhas expõe. A coragem não de quem não tem medo, mas de quem o enfrenta e não deixa que ele dê a última palavra.
Minha menina vai embora.
Vai, Marina. Vai que o mundo espera por você.
(Key Biscayne, 30/03/2012)
Estou de volta!
Estive "fora do ar" por alguns dias porque minha mãe teve um problema vascular, teve de ser internada no domingo e operada na quarta-feira.
Ela já está bem, deve ter alta hoje, e eu estou de volta à ativa.
(Key Biscayne, 30/03/2012)
Qual é a desse botãozinho?
Para receber esse destaque todo?
É mais um passo rumo à minha independência e menos uma tarefa no caminho da minha partida.
Até ontém o guincho da âncora era comandado apenas da proa do barco. Esta é uma configuração para quem veleja acompanhado. Neste caso as ancoragens (e as subidas de âncora, também) sempre são feitas com uma pessoa na proa e outra no leme. O proeiro "canta" instruções para o timoneiro e comanda a descida e subida da âncora.
Sozinho, eu tinha de correr entre uma posição e outra (foi o que fiz em Angelfish Creek, por exemplo). Dá para ser feito em boas condições, mas com vento ou corrente forte é bem perigoso, principalmente com obstáculos próximos.
Agora eu consigo controlar a subida e descida da âncora sem sair do leme (graças ao tal botãozinho preto!). Vida mais fácil e segura.
(Key Biscayne, 27/03/2012)
Primeira faculdade responde Marina
Ontem a noite recebi a notícia de que Marina foi aceita em Occidental College, faculdade na California onde o Obama estudou.
É a primeira resposta que Marina recebe, entre as escolas para as quais se candidatou. Dormi feliz da vida.
Uma vez, um professor meu, comentando o fato do filho ter se classificado em primeiro lugar na prova da ANPAC, disse que "a partir de um certo ponto na vida, a gente passa a ter mais orgulho das conquistas dos nossos filhos que das nossas próprias". Ele tem toda razão.
Fiquei tão orgulhoso que corri para o Starbucks (estava na vila, comendo uma pizza). Não tinha o notebook comigo e tentei, a todo custo, publicar um post com o iphone, mas, por alguma razão, dava problema na hora do "save". Não é a mesma coisa comentar no dia seguinte, mas não quero deixar a excelente notícia passar sem registro.
Parabéns, querida!
(Key Biscayne, 27/03/2012)
O que está acontecendo com o mundo?
Não sei se minha nova vida me confere um renovado e inesperado charme ou se o mundo ficou mais simpático de uma ora para outra, mas o fato é que, ultimamente, todo mundo "quer ser meu amiguinho". Vamos ao último dia, apenas (sábado):
O pessoal da operadora de mergulho foi super-simpático e gentil, mas estes não contam. Mais de vinte anos mergulhando me mostraram que as pessoas que trabalham com isso são, com poucas exceções, bem-humoradas e simpáticas.
Voltava do mergulho, um fim de tarde muito quente, morrendo de vontade de tomar uma cerveja gelada e lembrei que tinha tomado a última latinha no por do sol do dia anterior. Encostei no cais da Tarpon Inn and Marina, onde tinha estado na véspera, pedindo informações. Meus conhecidos não estavam em nenhum lugar visível. Procurei o escritório da pousada. Me atendeu uma senhora, entre quarenta e cinco e cinquenta e cinco anos (dá pra ver que eu não sou bom em estimar idade). Expliquei que estava num veleiro, no meio do Sound, e perguntei, educadamente, se ela não poderia me vender uma cerveja. Ela respondeu que não, mas que havia uma loja de conveniência de posto de gasolina, na beira da US1 a cerca de uma milha dali (pouco mais de um quilômetro e meio). Ela me perguntou se eu era russo - pode? Disse que era brasileiro. "Pena, porque sua língua eu não falo, mas falo um pouco de russo", me respondeu ela. Disse que, se eu pudesse esperar uma meia hora, até ela terminar o que estava fazendo, poderia me dar uma carona até o posto. Eu respondi que não me incomodava em caminhar, mas que tinha deixado meu dingue com o meu equipamento de mergulho e a caixa estanque com a câmera dentro, tudo no cais da pousada. Ela se incomodava? Seria seguro deixar tudo lá? Ela me pediu um segundo, passou a mão no telefone e ligou para alguém: "Estou aqui com um cavalheiro muito agradável que me disse que amarrou um inflável com todas as coisas dele no nosso cais. Você se importa em dar uma olhada para ele?". A pessoa respondeu qualquer coisa do outro lado e ela se dirigiu a mim: "Ele quer falar com você" - e me passou o telefone. O sujeito do outro lado da linha falou comigo: "Não foi com você que eu conversei ontem?". "Foi sim, e eu aceitei seu conselho e procurei a operadora de mergulho que você indicou. Estou vindo de um mergulho com eles". "Pode ir tranquilo fazer o que você precisar fazer que eu tomo conta das suas coisas". A dona da pousada ainda se despediu de mim insistindo que, se eu preferisse esperar, ela não se incomodaria em me levar até lá. Achei que era abuso demais e que a caminhada me faria bem.
Voltei até o cais e peguei um galãozinho de gasolina para aproveitar e comprar combustível para o motor de popa do dingue. A caminhada até o posto, embora debaixo de um sol ainda forte no fim da tarde, não foi desagradável.
Cheguei na loja de conveniência, escolhi a cerveja e me dirigi a fila do caixa. Cheguei na fila apenas uns segundos antes de uma moça gordinha que vinha do outro lado da loja. Fiz um gesto, convidando-a a entrar na minha frente. "Obrigado, mas não é preciso. Ainda vou terminar de tomar a coca" - e me mostrou a latinha na sua mão. Paguei a cerveja e saí para encher o galãozinho de gasolina. Combustível, nos Estados Unidos, é pago diretamente na bomba, com cartão. Estava terminando de encher o galão quando a moça da coca-cola saiu da loja de conveniência. "Acabou a gasolina do seu carro?". Expliquei que não, que era para um barco. "Ah, bom. Ia te oferecer uma carona até seu carro".
Vinha voltando pela beira da US1, com a cerveja em uma mão e a gasolina na outra, quando, bem na esquina da ruazinha que dá acesso à pousada, um carro parou do meu lado. O sujeito ao volante abriu a janela do carona e perguntou: "Está indo para onde?". "Para a Tarpon Inn", respondi. "Entra aí que te dou uma carona".
"Eu moro nesta rua em frente, mas essa pousada fica aqui à direita. Eu sei porque vejo as placas, mas em quatro anos que moro aqui, nunca entrei nessa rua". Quando chegamos em frente à pousada, ele apontou para uma casa na beira da laguna, logo depois da marina e disse: "Aquela é a minha casa. E aqueles caras enchendo a cara de cerveja no deck são os meus amigos". Quando eu já estava fora do carro ele se dobrou sobre o banco do carona, estendeu a mão e disse: "Meu nome é John. Foi um prazer te conhecer".
Não sei não, mas tenho impressão que as coisas não costumavam ser assim. É o meu charme ou o mundo está ficando melhor?
(no meio de Biscayne Bay, voltando para Crandon Park, 24/03/2012)
Adeus, Key Largo
São sete e meia da manhã de domingo e tomo meu café para, em breve, deixar Largo Sound.
Levo comigo a lembrança de gente gentil e das noites mais estreladas que vi nos últimos anos. Minha pequena luzinha de ancoragem, içada na adriça da mezena, não era suficiente para ofuscar as estrelas. Antes, vista de baixo, juntáva-se a elas como mais um ponto luminoso no céu.
Lindas noites sem lua. Não, Gil, a gente não precisa ver o luar.
Hoje pretendo dormir em Crandon Park. Ao mar!
(Key Largo, 25/03/2012)
Viagem a Key Largo 8 - mergulho em French Reef
Peguei o dingue e motorei até uma pequena, marina próxima. A marina pertence a uma pousada, Tarpon Flats Inn and Marina. Lá consegui indicação de uma operadora de mergulho chamada Quiessence. Liguei para eles e marquei uma saída no sábado à tarde.
Eles ficam longe, na beira da US1, uma caminhada muito grande carregando equipamento. Combinei de ir com o inflável e deixá-lo no cais deles. Da poita onde estou é uns dez minutos no motor por dentro do Sound, mais a travessia de um canal que liga o Sound à baía, que fica à oeste, e outros cinco minutos motorando na baía.
O canal tem uma corrente violenta. Felizmente, fui e voltei com a maré a favor, senão a travessia teria sido um suplício.
Mergulhei com apenas mais duas pessoas: Kate, uma dive-master e instrutora que não deve ter muito mais de vinte e cinco anos e um aluno dela, do curso Avançado.
Os dois mergulhos foram legais, ambos em um mesmo recife (French Reef), mas em pontos separados por uns trezentos metros (The Ledge, o primeiro e Sand Bottom Caves, o segundo). O segundo mergulho foi particularmente gostoso, com uns vinte metros de visibilidade e um fundo muito bonito, cheio de cavernas de coral.
Pena que a bateria da câmera se foi (não carrego desde que cheguei aos Estados Unidos - uma hora tinha de acabar). Não consegui tirar nenhuma foto. Fica para o próximo mergulho.
(Key Largo, 24/03/2012)
Viagem a Key Largo (6) - Manhã em Angelfish e tarde em Largo Sound
Acordei com as primeiras luzes do dia e tive o prazer de tomar o café da manhã no cockpit, apreciando a paisagem da minha ancoragem.
Subi a âncora e tomei o caminho do mar aberto. O vento amansou muito, de ontem para hoje, e, mesmo subindo as quatro velas não consegui passar dos seis nós nas rajadas, cinco a maior parte do tempo.
Já na altura da entrada para Largo Sound, embiquei para leste, como quem estivesse indo embora da Flórida (para as Bahamas?), e entreguei o barco ao piloto automático para poder baixar as velas.
Largo Sound, onde fica a sede do John Pennekamp Park, é uma laguna que se une ao mar por uma entradinha bem sinalizada mas estreita e muito sinuosa. Largo Sound tem também saídas a oeste, que o ligam à baía. Infelizmente, estas saídas não servem para veleiros, só para barcos baixos, porque passam sob a rodovia US1 em pontes que não têm mais de cinco metros de altura.
O canal de entrada é estreito e o meio dele tem só seis pés de profundidade (cercda de um metro e oitenta). Imagina as bordas! Quando finalmente o canal se abre para a laguna eu já estava, literalmente, suando. A situação não fica muito melhor. Entrei em Largo Sound na maré baixa e meu profundímetro marcava entre cinco e seis pés. Meu barco tem quatro e meio de calado, logo qualquer coisa um pouco mais rasa seria suficiente para encalhar.
Agarrei a primeira poita entrando no canal. Bem longe de terra, mas eu não tinha nenhuma vontade de me arriscar.
Viagem a Key Largo (5) - O que Cortazar tem a ver com isso?
Dormi preocupado com a âncora, que não tinha como saber se estava firme, apesar das evidências. Acordei varias vezes à noite e saí para verificar. Continuava no mesmo lugar. Checava o GPS e a diferença, quando havia, estava na terceira casa decimal e era errática, as vezes para mais, as vezes para menos, significando que o barco estava oscilando (o que eu percebia), mas não deslizando sistematicamente junto com a corrente. Mudança grande só quando a maré mudou, no meio da madrugada, e o movimento do barco rodando na âncora me acordou.
O fato da preocupação com a ancoragem me acordar me fez lembrar um conto do Julio Cortazar chamado Autopista do Sul (do livro "Todos os Fogos: o Fogo"). Nesta belíssima peça curta, ele conta a estória de um engarrafamento fenomenal na volta de um fim de semana do litoral para Paris. Como os carros ficam presos longuíssimas horas no mesmo lugar, começa a se organizar uma rotina para tornar a vida tolerável na situação: pessoas trocam temporariamente de carro para melhorar a condição das crianças e velhos, organizam-se excursões para ir comprar água muitos quilômetros adiante, ... Uma das muitas leituras que se pode fazer deste maravilhoso conto (não vou dizer como termina...) é sobre a capacidade do ser humano de se adaptar às situações mais implausíveis e torná-las a "vida normal" muito rapidamente. Este mesmo fenômeno a gente observa em livros ou filmes sobre pessoas arrancadas de sua vidinha ordeira e enfiadas num campo de concentração - aquela situação intolerável torna-se a "vida normal" e as prioridades e preocupações se rearranjam muito mais rápido que se espera.
Pois é. A poucas semanas minhas preocupações eram se o cliente estava ou não satisfeito com o projeto, se ia ou não comprar uma extensão, se eu seria ou não promovido. Agora é a situação da âncora que me tira o sono e é como se a vida fosse assim. Como se tivesse sempre sido assim.
Viagem a Key Largo (4) - Angelfish Creek ou Wolf Creek?
Fazia um calor do cão e eu estava louco para nadar, mas a correnteza era tanta que tive medo de não conseguir nadar de volta para o barco e ser levado, cada vez para mais longe (olha o filme de terror aí!). Peguei uma das defensas do barco como bóia, amarrei dois cabos de atracação, prendi uma ponta na defensa e a outra num cunho de popa e joguei tudo na água. Fiquei, assim, com um cabo de uns vinte metros correndo da minha popa, com uma bóia no fim. Assim, mesmo que eu me desgarrasse do barco, teria a chance de segurar o cabo e me puxar de volta.
Dei um mergulho de cabeça naquela água fresquinha e transparente, pulando do púlpito de proa. Delícia. Dava fácil para mergulhar na proa e nadar até a escada, na popa, mas, como eu saberia antes de tentar?
Aproveitei para pegar um sol enquanto me secava e tentar tirar um pouco da marca de camiseta que ganhei pedalando e caminhando ao sol em Key Biscayne.
Já com o sol baixo no horizonte, desci para pegar uma cerveja na geladeira e brindar o fim de um dia maravilhoso!
Viagem a Key Largo (3) - Angelfish Creek
Angelfish Creek é um braço de mar sinuoso que liga a baía de Biscayne ao mar aberto. Não é muito largo, mas é razoavelmente profundo (dois a três metros), cercado de vegetação de manguezal, mas com uma água verde transparente.
Entrando no curso de água uma bifurcação à esquerda levava a um "afluente" do canal principal, relativamente estreito, mas largo suficiente para manobrar o Bedouin, se necessário. Muito devagar e de olho cravado no profundímetro, entrei neste curso secundário até que uma curva à direita me levou a um lugar com espaço bastante para o Bedouin rodar na âncora quando a corrente mudasse e escondido dos olhos de quem passava no canal principal. Estava sozinho e dali até a manhã seguinte apenas um solitário jet ski passou por mim.
A paisagem era muito bonita e deserta, mas se prestaria bem, também, àqueles filmes de terror em que pessoas inocentes acampam em um lugar bucólico e isolado "sem saber as horrendas surpresas que o isolamento na natureza lhes reserva".
Virei a proa na direção da corrente, botei o motor no neutro e corri para a proa para descer a âncora. Na dúvida, deixei correr uns bons vinte metros de corrente para fora do paiol, bem mais que as sete vezes a profundidade que já são cautelosos (muita gente usa só cinco).
Baixei o dingue e peguei máscara, snorkel e nadadeiras para verificar se a âncora tinha unhado, mas a correnteza era tão forte que, apesar da água cristalina, não consegui mergulhar na âncora. Aproveitei, então que o dingue já estava na água, peguei um galãozinho de gasolina, por precaução, e segui o curso de água até a saída para o mar, caminho que teria de fazer na manhã seguinte.
Viagem para Key Largo (2) - início
Acordei cedo, fiz café e passei todos os waypoints que eu tinha identificado de madrugada para o GPS, criando uma rota.
Larguei a poita de Crandon Park pouco depois das 8:00.
Subi as velas assim que saí do canal de Crandon Park. Vento forte, de leste e o Bedouin andando bem, a até 7 nós, com as velas à boreste.
Até Angelfish Creek, o lugar onde eu planejava passar a noite, a velejada é tranquila com exceção de dois canais estreitos, mas bem sinalizados.
Fiz um lanche no cockpit e segui sem parar, com auxílio de piloto automático, GPS e, algumas vezes, do notebook com o GPS de mão, funcionando como chartplotter.
Viagem para Key Largo (1) - concepção
Acordei as duas da madrugada de quarta para quinta com essa idéia maluca: vou velejar até Key Largo! Fiquei tão excitado que não consegui mais dormir. Levantei, peguei as cartas náuticas e tracei meu rumo até lá, identificando todos os waypoints (coordenadas dos pontos de inflexão no caminho). Gastei pouco mais de uma hora nisso, o suficiente para conseguir dormir de novo.
Viagem a Key Largo
Estou em Key Largo, com acesso bastante limitado à internet.
Saí de Key Biscayne na quinta pela manhã, velejei até um lugar no sul de Biscayne Bay chamado Angelfish Creek, onde ancorei e passei a noite.
Atravessei para o lado de mar aberto na manhã de sexta-feira e velejei até Largo Sound, uma laguna em Key Largo ligada ao mar por um canal estreito, onde fica a sede do John Pennekamp Park. Peguei uma das poitas do parque e passei a noite.
Estou hoje (sábado) neste mesmo - lindo - lugar. Escrevo pela manhã. Acabo de tomar café e vou começar a separar minhas coisas para fazer uma saída de mergulho hoje à tarde. Aguardem descrição da viagem aqui em breve.
(Key Largo, 24/03/2012)
Sony Ericsson Open
Hoje começa um torneio de tênis aqui em Key Biscayne (exatamente no meio do caminho entre a "minha" marina e a vila). O torneio conta com caras como Novak Djokovik, Roger Federer e o Rafael Nadal, a nata do tênis. A ilha está em polvorosa. Vou ver quanto estão os ingressos e talvez assista alguma partida.
(Key Biscayne, 21/03/2012)
Pegando a poita
Ontem, voltando de Rickenbacker Marina para Crandon Park tive, pela primeira vez, de parar o barco na poita sozinho.
Uma poita é uma bóia com uma argola em cima presa por um cabo a uma estrutura submersa, agarrada no fundo de algum modo. Amarrar o barco a uma poita evita a necessidade de largar âncora.
Este trabalho é, em geral, feito por duas pessoas. Uma fica no leme, controlando a direção do barco e usando o motor para ir para a frente e para trás, se necessário (para ajudar a captura da bóia e para evitar colisões com os barcos parados em volta!). Enquanto isso, outro vai até a proa, pega uma vara comprida com um gancho na ponta e "caça" a argola no topo da bóia. Puxa então a bóia a bordo, passa um cabo por dentro da argola, amarra o cabo em um dos cunhos da proa e joga a bóia de volta para a água. Não é muito simples nem feito assim, com duas pessoas. (dêem uma olhada na foto - a propósito: não é meu barco e não sou eu!),
Pois bem, tive de "apontar" o barco para a bóia e calcular para que ele chegasse lá quase parando, só no impulso, colocar o motor no neutro, correr para a proa, caçar a bóia, etc., etc. Claro que não deu certo de primeira e, a cada tentativa frustrada eu tinha de correr de volta para o cockpit para evitar que o barco (10 toneladas à deriva) se chocasse contra os outros à sua volta. Um espetáculo interessante para os desocupados na marina. Consegui na quarta tentativa e me senti o máximo.
Ontém mesmo pedalei até uma loja náutica na US1 (três horas, ida e volta), comprei dez metros de cabo de nylon e uma bóia pequena. Cheguei na marina já a noite e, com o dingue, passei o cabo que eu tinha comprado na argola da poita, uni as duas pontas e amarrei a bóia pequena nela. Agora eu tenho um enorme laço de cabo já preso na poita e sempre flutuando (por causa da bóia). Tudo o que eu tenho de fazer é "pescar" este laço com o gancho e passar o cabo sobre um cunho. Muito mais rápido e fácil que antes.
Testei hoje de manhã, quando minha mãe, meu padrasto e um amigo vieram conhecer o barco. Saí da poita, atraquei no cais da bomba de diesel (aproveitei para abastecer), eles entraram, conheceram o barco e, na volta para a poita, estreei meu "laço". Errei a primeira aproximação, mas acertei de segunda. A próxima vai ser melhor.
Agora, deixo esta laço montado na poita até ir embora de Crandon Park e minhas voltas para a marina serão sempre mais fáceis.
(Key Biscayne, 21/03/2012)
Habemus pilotum automaticum
Finalmente o piloto automático está instalado e funcionando. Ao todo foram dois dias. Mudei para o cais da Rickenbacker Marina na segunda de manhã. Na maior parte do dia meus amigos uruguaios trabalharam na parte "mecânica" (ligando a bomba ao sistema de direção hidráulica), na instalação da unidade de controle (o computador) e da bússola fluxgate (uma bússola eletromagnética). Na terça feira, eles instalaram a unidade de controle (figura acima) no cockpit e saímos para fazer a calibração do piloto automático - o processo pelo qual o aparelho "aprende" as características do barco e aprende a pilotá-lo.
O piloto automático é fundamental para mim. Como estou sozinho, sem ele deixar o leme é sempre complicado. O que significaria muito trabalho para subir ou descer uma vela, ajeitar um cabo fora de lugar na proa ou mesmo para tarefas mais prosaicas como pegar alguma coisa para comer ou aquela ida rápida ao banheiro.
Agora, contanto que não hajam obstáculos à frente, posso deixar o cockpit com a certeza que o barco continua no curso certo.
Coloquei um vídeo mostrando o bichinho em funcionamento aqui. Ainda não descobri como postar os vídeos sem que eles comecem a executar assim que a página abre. Assim, quando você estiver na página dos vídeos e os dois começarem a rodar ao mesmo tempo, você pode parar um deles clicando sobre a imagem com o botão direito do mouse e desmarcando a opção "play".
(Key Biscayne, 21/03/2012)
Skyline de Miami
Estou namorando a vista noturna de Miami desde que cheguei aqui, mas é extremamente difícil tirar uma foto de grande exposição (pouquíssima luz) em cima de um barco que, por mais que eu peça, se recusa a parar de balançar. Segue mais uma tentativa, só que desta vez da ponta do cais de Rickenbacker Marina (não o melhor ângulo, mas pelo menos não balança - como diz o filósofo Jagger: "You can't always get what you want").
(Miami, noite de 19/03/2012)
Pedalando na Brickell
Hoje cedo saí de Crandon Park e levei o Bedouin até Rickenbacker Marina, onde o piloto automático será instalado. É um percurso pequeno (menos de uma hora), mas o primeiro que faço sozinho no barco. Estou curtindo cada pequeno progresso: estudar a carta náutica e planejar o percurso, desamarrar o barco da bóia e correr de volta para o cockpit antes que a corrente me jogue contra os outros barcos, preparar a atracação na próxima marina (defensas, cabos), contactar a marina pelo rádio para saber que slip vou ocupar, atracar sozinho. São várias "primeiras vezes" que me dão enorme prazer e me fazem sentir cada vez mais competente.
Aproveitei que estou mais perto agora, peguei a bicicleta, cruzei a Rickenbacker Causeway e vim pedalar na Brickell, uma avenida residencial super-exclusiva, com vista para o mar. A avenida torna-se comercial, depois de uns dois quilômetros e termina no centro de Miami. Prendi a bicicleta numa pracinha e caminhei até este Starbucks, de onde escrevo agora.
(Miami, 19/03/2012)
Waterworld
Uma das coisas mais esquisitas de entrar em Biscayne Bay vindo de mar aberto é uma coleção de palafitas sobre os baixios e recifes que circundam a baía, mas que ficam a milhas da costa. Mesmo passando perto e examinando de binóculo, não dá para ter idéia do que se trata. Pesquisando na internet descobri um site (http://www.nationalparkstraveler.com/2008/06/park-history-biscayne-national-park) que diz:
"Um dos mais estranhos empreendimentos no local é uma coleção de sete casas empoleiradas sobre palafitas no meio de Biscayne Bay, não muito longe do centro de Miami. Construídos na década de 1960, estes edifícios são tudo o que sobrou de uma lendária colônia de veraneio que tem sua origem na década de 1930 e já incluíu uma barcaça de jogo ilegal e o Clube de Biquíni. Quando o parque federal de Biscayne Bay foi ampliado em 1980, a terra submersa ocupada por Stiltsville (as palafitas) foi transferida do estado da Flórida ao governo federal e incluída nos limites do parque. A concessão de uso da terra, emitida pelo estado da Flórida, expirou em julho de 1999. Seguiu-se uma batalha jurídica, porque a administração do parque queria desocupar e remover os edificios. Os proprietários não quizeram sair, e diversos funcionários uniram-se a eles, tentando fazer com que os limites do parque fossem redesenhados de modo que Stiltsville voltasse à esfera estadual. Numa tentativa de conciliação, a administração do parque decidiu liberar os edifícios para uso público ao invés de removê-los. Os prédios não serão substituídos quando finalmente sucumbirem à deterioração, incêndio ou furacões."
Espero que este site esteja certo, e que eu não esteja reproduzindo abobrinhas no meu blog.
(Miami, 19/03/2012)
Sábado e domingo de vela!
Marcelo, irmão da Kátia, desceu de Boca Raton para velejarmos no sábado e no domingo. Bom demais!
Pela primeira vez, subi todas as (quatro) velas e o beduíno velejou lindamente com todo o pano encima. O vento ajudou nos dois dias, soprando de leste-nordeste de sete a quinze nós no começo do dia, mas subindo para vinte nós à tarde. No sábado velejamos dentro da baía de Biscayne, mas no domingo aproveitei para ensaiar a saída por entre os recifes e velejamos em mar aberto, na costa leste de Key Biscayne. A entrada e saída pelos recifes serviu também para treinar a navegação via carta, marcação de waypoints e GPS. Tudo funcionou perfeitamente, o que me deixa muito mais seguro.
Tive pequenos contratempos (um cabo de rizo da vela mestra enroscado no gerador de vento, uma adriça passando por trás de um dos "degraus" do mastro), mas são coisas típicas da falta de familiaridade com o barco. O importante é que resolvi tudo e a velejada foi ótima.
Na entrada da baía, vindo do mar, passamos por umas construções esquisitíssimas, no nada com lugar nenhum (veja o post acima).
(Miami, 19/03/2012)
Meu escritório em Key Biscayne
Subindo esta escadaria, no prédio da direita, fica o Starbucks, meu escritório local. Me instalo e aproveito as tomadas (para carregar notebook, ipad e celulares) e o wi-fi de graça. É aqui que coloco a correspondência em dia e atualizo este site.
E ainda tomo café!
(Key Biscayne, 14/03/2012)
Minha bike chegou!
Comprada ridiculamente barato na Amazon. Dobrável para poder guardar no barco, quando eu for embora (por enquanto fica acorrentada na marina). Câmbio Shimano de oito marchas. O banco é muito desconfortável (duro e estreito), mas troquei por um convencional, mais largo e macio.
Devolvi o Cinquecento (vou sentir saudade do carrinho) e agora vou pedalando para a vila.
(Key Biscayne, 12/03/12)
Sir Richard Burton
Estou começando a trabalhar na versão em inglês do site e precisava de uma tradução do Canto I dos Lusiadas. A primeira com que me deparei é uma tradução de... Richard Burton!
Sou um fã do sujeito (o aventureiro inglês do século XIX, não o ator que casou várias vezes com a Elizabeth Taylor).
Conheci Burton através de Jorge Luis Borges, como sendo o primeiro tradutor das Mil e Uma Noites, e o homem que trouxe esta obra para o Ocidente (a propósito: trouxe também o Kama Sutra!). Depois fui descobrindo outras estórias sobre ele. Suas muitas viagens ao Oriente. As vinte e nove línguas que, supostamente, falava. Sua expedição em busca da nascente do Nilo - uma estória tão fascinante que rendeu bom filme ("As montanhas da lua", 1990). Seu trabalho como cartógrafo e espião. E sua enorme cultura e os vários livros publicados.
Pois, quem diria, acabo de descobrir que, entre as várias línguas que falava, uma era o português! Ele se apaixonou pelos Lusíadas e fez a primeira tradução do poema para alíngua inglêsa.
Burton é formidável!
Quantas pessoas conseguiriam juntar os adjetivos "explorador" e "homem de letras" num verbete com seu nome?
(Key Biscayne, 9/3/12)
Manatees em Crandon Park
Outro dia eu estava soltando o dingue do cais quando ouvi um barulho, como um sopro, bem perto de mim. Olhei e era um manatee, uma cabeça enorme com olhões pretos olhando para mim a um metro do dingue.
Os manatees são animais imensos, muito parecidos com o peixe-boi da Amazônia. Se não são a mesma espécie (provavelmente não), devem ser parentes próximos. Vi muitos na descida de Green Cove Springs até Miami pela Intercoastal Waterway. Mas nunca tão de perto quanto aqui na marina.
Ontém eram dois. Tão perto do dingue que liguei deixei o motor funcionar no neutro um tempo para espantá-los. Não funcionou. Saí bem devagar. Tudo o que eu não quero é machucar um desses gigantes dóceis e curiosos, roliços como sereias obesas, mas que se movimentam de modo tão elegante!
(Key Biscayne, 8/3/12)
Primeiro imprevisto!
Almocei com minha mãe e fiquei por lá até o meio da tarde. De lá fui para o meu escritório local, o Starbucks de Village of Biscayne. Fiz umas pesquisas sobre o
wifi do barco e, as cinco e meia, fui até a marina. Fechei o carro tranquilamente e caminhei até o cais sem ter idéia do que me esperava: a maré baixa abrira um espaço entre o cais de madeira e a
superfície da água, a corrente tinha empurrado meu dingue, um inflável de 9 pés, com fundo rígido e motor de popa, para baixo do cais. Lá estava ele, só a proa para fora, toda a popa desaparecida
embaixo da plataforma de madeira. A maré havia subido e já estava empurrando as bananas laterais contra a parte de baixo do cais. Tentei puxá-lo para fora, mas era impossível, porque o motor de popa,
uns bons trinta centímetros mais alto que o barco, ficava preso por trás da plataforma de madeira lateral do cais.
Pulei no dingue, tentei empurrá-lo para baixo, mas nada funcionava. Pensei em tentar soltar o motor da popa e movê-lo para dentro do dingue, mas não havia espaço entre o topo do motor e a parte de baixo do cais para fazer esta manobra. Talvez houvesse alguma possibilidade de soltar o motor de popa e tirá-lo para fora do barco, mas para isso seria preciso entrar na água e só funcionaria se eu pudesse ficar de pé no fundo. Eu não tinha idéia da profundidade (provavelmente não "daria pé"), já eram quase seis da tarde, ventava pra caramba e a temperatura não era nada convidativa, depois da frente fria que entrou na noite anterior.
Fiz um esforço para avaliar com frieza a situação. A maré já estava prensando o inflável contra o cais, mas, contanto que a água não subisse muito mais, o problema estaria restrito ao fato de que eu não conseguiria chegar no meu barco até a maré baixa. Eu não fazia idéia de quando seria isso. Eu tenho uma tábua de marés, mas fica no barco, claro. O escritório da marina já estava fechado. Pelas marcas nos pilares do cais, imaginei que a água não subiria muito mais.
Resolvi ir até o mall na Sunset Drive. Lá eu podia procurar uma tábua de marés na internet (filando o wifi da Barnes and Nobles) e, talvez, fazer hora assistindo um filme no cinema multiplex de lá - que tem bem umas dez salas de exibição. Foi o que fiz.
Quando consegui uma tábua de marés online, não gostei nada do que vi: 7/mar, Baía de Biscayne, pico da maré baixa as 15:34, pico da maré alta as 21:44 (a mínima maré, em seguida, seria só às 3:57 - meio da madrugada). Pior, a diferença entre a maré baixa e a alta seria de 2,3 pés. Isso dá uns 70 centímetros (faz sentido, na lua cheia as marés são maiores e eu lembrava de ter visto a lua nascendo, redonda e enorme, enquanto dirigia para o mall). Ou seja, a maré ainda ia subir bem mais do que as marcas que eu tinha visto (da maré "típica"). Corria o risco de prensar o inflável até arrebentar as câmaras de ar. Desisti do cinema e voltei para a marina dirigindo com o coração apertado.
Quando cheguei, a situação tinha mudado para pior: a água, agora mais alta, empurrava a proa do dingue para cima e a popa para baixo. Já tinha entrado um monte de água na popa, que, logo, logo, sumiria debaixo d'água (se o barco não arrebentasse antes disso). A posição esdrúxula do barco me deu uma idéia. Tirei a âncora de dentro do dingue e coloquei sobre o cais. Peguei o cabo que ficava preso à proa e puxei com força para trás. Devagar, porque o dingue é pesado, a proa foi levantando cada vez mais, um palmo de cada vez, até o dingue ficar quase "de pé". Mais um puxão e o barco estava solto: a popa, com motor e tudo, passou por baixo do cais, o barco deu uma cambalhota para trás e parou, de cabeça para baixo, boiando livre. Mais um pouco de força e consegui desvirá-lo. Agora ele boiava livre, de cabeça para cima, novamente (barco não tem cabeça, mas vocês entenderam). Sucesso total! Meu inflável (que custa uma fortuna) estava salvo. Entrei no dingue e coloquei no lugar o cabinho de segurança que permite que o motor ligue (e que eu levo no bolso quando deixo o dingue no cais). Mesmo sem muita esperança de que fosse funcionar, tentei dar a partida no motor. Nada. Bombeei o afogador umas cinco ou seis vezes. Nada ainda. É. Esperança demais... (vamos lembrar que o motor tinha parado emborcado, completamente mergulhado na água).
Bom. Uma vez que já estava ali e o mais difícil havia sido feito, resolvi que, agora, ia dormir no meu barco de qualquer jeito. O dingue tem remos, que ficam presos às câmaras laterais quando não são usado (sempre, portanto). Nunca tinha tentado, mas de tudo o que li me preparando para essa viagem, sabia que infláveis são difíceis de remar (o que é compensado por inúmeras outras vantagens). De qualquer forma, fui até o carro, peguei minha mochila e coloquei no fundo do dingue. Embarquei de volta a âncora, que eu tinha deixado sobre o cais. Soltei o cadeado que prende o dingue e o motor ao cabo de aço que eu passo em volta da pilastra do cais e tirei os remos das suas travas. Quanto ao motor de popa, amanhã iço ele à bordo, dreno o combustível, deixo ele aberto para secar, abasteço de novo com a gasolina que eu tenho num galão no deck e vamos ver se ele funciona...
Empurrei o cais para afastar o barco e assumi os remos, meio desajeitado, a princípio. Estava frio e eu estava usando um moleton cinza da GAP que é praticamente o único agasalho que eu trouxe que pode ser usado na rua (o outro é tão velho e puído que só serve para "ficar em casa"). No meio do caminho até o barco, a briga com o vento e a corrente já me faziam suar, e eu já estava arrependido de não ter tirado o casaco. De um jeito ou de outro, consegui chegar no barco.
Missão cumprida, escrevo este post tomando uma cerveja para relaxar, pensando que, além de cuidar do motor de popa, talvez eu tenha de mergulhar no cais amanhã, porque tenho quase certeza que havia um cabo com umas ferragens importantes para ancorar o Bedouin que estavam no fundo do dingue e devem ter ido parar dentro d'água quando eu o emborquei. Mas isso fica para amanhã.
(Key Biscayne, 7/3/12)
Primeiros dias morando no barco
Estou numa marina municipal, dentro de um parque (Crandon Park), na entrada de Key Biscayne. Saindo de do centro de Miami, a gente pega uma ponte (Rickenbaker Causeway), que leva até Virginia Key, a ilha onde fica o Seaquarium. Dali, uma segunda ponte leva a Key Biscayne. A marina fica à direita, logo depois da ponte. Ainda na ponte dá pra ver o Bedouin, amarrado na poita 59, na primeira fileira de barcos à frente do cais.
Os primeiros dias têm mais ou menos a mesma rotina. Acordo por volta das 6:30, sem despertador. O dingue me leva até o cais (o motor de popa pega sempre fácil) e fica amarrado lá, enquanto eu faço uma caminhada de pelo menos uma hora. Algumas vezes, por trilhas dentro do parque. A maioria das vezes, pela praia.
Volto, faço a barba, tomo banho e tomo café. O resto do dia se divide entre compras diversas (equipamentos e suprimentos), e pesquisas na internet. Continuando para dentro de Key Biscayne, logo depois dos limites do Crandon Park, fica uma comunidade chique chamada Village of Biscayne: uns condomínios caros e um comércio local muito ajeitado, numas ruas bonitas, com canteiro central muito bem cuidado. As ruas agradáveis, onde a velocidade máxima é trinta milhas por hora, convidam os locais (aposentados americanos e veranistas - incluindo muitos brasileiros) a passeios preguiçosos a pé ou com carrinhos de golfe. Sou habitué de dois lugares: um restaurante chinês, barato pacas e bem gostoso e o Starbucks, meu escritório em Key Biscayne. Entro, peço um espresso dopio ou um tall latte e me acomodo durante horas, carregando celulares, ipad e notebook, e aproveitando o wifi de graça. Os painéis solares e o gerador de vento do barco suprem o consumo da geladeira, das bombas de porão e da bomba que leva água para o chuveiro e as torneiras, mas, se eu espetar todos os carregadores dos meus eletrônicos e celulares nas tomadas, tenho de ligar o motor para recarregar as baterias do barco. O dia passa entre trabalhos no barco (novos estofamentos, pintura do móvel do salão), compras (ferramentas, cartas náuticas, mantimentos, remédios, equipamentos para o barco e livros), visitas à minha mãe ou meu sogro, pesquisas no "escritório" e até uma eventual ida ao cinema. Volto à noite, o dingue espera por mim sozinho no cais, me leva até o Bedouin e dorme amarrado na popa do barco. Faço jantar, leio um pouco, já na minha cama (na cabine de popa) e durmo cedo, embalado pelo balanço do barco.
Através pesquisas no Starbucks, cheguei a uma empresa de equipamento náutico no pé da Rickenbacker Bridge, um pouco depois do Seaquarium ("um pouco depois" para mim, que cheguei lá caminhando desde a marina, certa manhã). No escritório deles, conheci Gerry e Leo (foi assim que se apresentaram). Conversamos uma meia hora sobre alternativas de piloto automático para o meu barco. Leo pediu meu email, para passar o orçamento. Eu tinha me apresentado só como Alex, pronunciado como em inglês, para facilitar, mas soletrei meu email, chamando atenção para o fato de que meu nome termina com "re" ao invés de "er" como na versão em inglês. Gerry, que apenas acompanhava a conversa, disse: "Then it's Alexandre" (pronunciando o nome como se fosse em francês). Respondi: "Almost. We say Alexandre in Portuguese" (corrigindo a pronúncia). "Portuguese from Portugal or from Brazil?", ele perguntou. "From Brazil". E ele respondeu: "Then we're neighbours. We are from Uruguay!". Pois é. Falamos meia hora e não nos reconhecemos como hermanos latino-americanos.
Os dois estão há muito nos Estados Unidos. Leonardo não tem quarenta anos. Gerry aparenta uns sessenta, mas está em forma, e, com cabelos brancos e olhos azuis, talvez ainda faça sucesso com as mulheres. Ainda vai ao Uruguai umas três ou quatro vezes ao ano, onde tem uma namorada e uma filha, bailarina no Balé Nacional, em Montevidéu. Pareceram gente boa. Fechei com eles a instalação do piloto automático para os dias 19 e 20 de março.
Encomendei uma bicicleta na Amazon. Aro 26. Dobrável. Câmbio Shimano. Dá para transportar dentro do barco (provavelmente na cabine de proa - veremos quando chegar). Enquanto eu estiver por aqui, serve para chegar até a Village of Biscayne, onde, além do "meu escritório", existe um supermercado WinDixie excelente.
Vida Nova!
O parto foi complicado. Fiquei duas horas e meia na sala da Segurança e Controle das Fronteiras, na chegada a Miami. O oficial da imigração que carimba o passaporte na chegada foi mas curioso que de costume. Me fez um longo interrogatório e eu contei exatamente a verdade: que tinha comprado um barco que estava esperando por mim numa marina em Key Biscayne e que vinha para equipá-lo, abastecê-lo e partir em cruzeiro em algumas semanas. Não sei porque ele achou a estória suspeita.
Depois de um chá de cadeira interminável na salinha, junto com uma população flutuante de umas quinze pessoas (cidadãos americanos e residentes têm prioridade e passavam à frente do pobre visitante aqui), o oficial me chamou, contei exatamente a mesma estória e ele carimbou meu passaporte por seis meses, sem maiores explicações ou desculpas. O pior que Bin Laden fez foi tornar os Estados Unidos um país muito mais chato de visitar...
Pedi um carro compacto na locadora e me deram um Fiat Cinquecento. O carrinho é bonitinho e gostoso de dirigir. Quando atravessei a Rickebacker Causeway, a ponte que leva a Key Biscayne, a manhã estava gloriosa: o céu azulão com umas poucas nuvens brancas e o sol explodindo de luz os edifícios da Brickel. Absolutamente lindo. Dirigir o carrinho nesta paisagem esplêndida me fez esquecer as agruras do desembarque.
Seja bem-vinda a nova vida!
(Key Biscayne, 28/02/2012)